segunda-feira, 23 de maio de 2022

Buenos Aires: Facultad de Filosofía y Letras

 





Fazia parte dos planos de passeios por Buenos Aires visitarmos uma universidade, mais especificamente, um curso de Letras. Isso porque sempre foi uma descoberta prazerosa visitar universidades aqui no estado de São Paulo. Já visitei o câmpus da USP de São Paulo e de Ribeirão Preto, a Unicamp e alguns dos câmpus da UNESP, portanto, visitar a UBA poderia ser igualmente interessante. Não apenas isso, eu queria algum contato que durasse mais do que aqueles poucos dias em que estaríamos ali e, se fosse com alguém que tivesse afinidades literárias, melhor.

Como já era planejado, saímos a procura da Filo, a Facultad de Filosofía y Letras (FFyL). Pegamos o Subte e fomos de Piedras a San Pedrito. Chegando lá, andamos um pouco e encontramos a UBA, Universidad de Buenos Aires, da qual a Filo faz parte. O lugar é uma antiga fábrica de charutos que foi transformada em faculdade e parecia abandonado, depois ficamos sabendo que de fato estava abandonado, e isso era bastante desanimador. É que em breve a Filo estará num prédio novo e esse é um momento de transição. Circulamos pelo lugar e, falando com alunos, soubemos de uma secretaria de informações. Antes de chegarmos à secretaria, encontramos três moças de militância política: Azul, Belem e Malena. Elas nos convidaram a participar do Encuentro Socioambiental que aconteceria no nosso penúltimo dia em Buenos Aires. Pegamos panfletos, compramos os jornais que elas estavam vendendo e tomamos nota do encontro, que seria na Facultad de Sociales UBA.

Ainda nas dependências da Filo, no momento em que íamos sair, encontramos um rapaz com alguns livros sobre uma mesa de lata como as que temos em bares por aqui. Contei que conversamos com as colegas dele, disse do meu interesse em conhecer mais sobre a política Argentina e sobre o peronismo, então, ele me ofereceu os livros que estava vendendo, interessei-me particularmente pelo livro Escritos Peronistas, de Norberto Ivancich. Esse livro em particular tinha o preço em aberto, pagávamos o que achávamos que deveríamos pagar. Peguei o livro, como a Marta estava com o dinheiro, abriu a bolsa e ofereceu cinquenta pesos ao rapaz, que fez uma cara assim... Eu vi que era pouco, cerca de dois reais, mas o preço estava em aberto e eu fiquei sem saber o que fazer. Fiz cara de desentendido, conversamos um pouco mais e fomos embora. A Marta, depois, para se desculpar, questiona: “Mas, gente, custava por preço no livro?”. O caso acabou entrando para meu anedotário argentino!

O encontro na Filo levou-nos ao momento alto do passeio, o Encuentro Socioambiental. Digo isso porque pudemos interagir, conversar com alguém e expandir a experiência que duraria menos de uma semana. No Encuentro Socioambiental as palestras eram simultâneas, por isso eu e a Marta tivemos de nos separar. Eu participei da palestra “Crisis social y desigualdad: el rol de los comedores populares y los movimientos sociales”, dirigido pela Monica, e a Marta participou do “Mal comidos, agronegocio y cementación urbana: soberania alimentaria y eco-huertas”, dirigido pela Jessica. Das amizades feitas nesse encontro resultou minha participação, ainda hoje, nos debates políticos com uma correspondente argentina que mora em São Paulo, a Verónica.

Hoje é o aniversário de um mês desse Encuentro Socioambiental. No final das contas, essas amizades, ainda que momentâneas, e a experiência política são o que trouxemos além das fotos. É curioso pensar na riqueza de conhecer a cultura de um país por meio de uma viagem, a experiência é de fato enriquecedora, pensar num intercâmbio agora ficou muito mais fácil.

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Buenos Aires: primeiras impressões

 





Na manhã de terça-feira da semana passada Buenos Aires ainda poderia se tornar um passeio malogrado, hoje não. Deu tudo certo: saímos no horário, o ônibus para São Paulo chegou no horário, a conexão para Guarulhos chegou no horário, o voo para Buenos Aires foi tranquilo. Foi tudo tão pontual e tão correto que até ficamos, eu e a Marta, desconfiados de que o destino nos reservava algum outro desapontamento mais grave.

Já em Buenos Aires, pegamos um taxi que preferiu receber em reais ao final da corrida. Alertou-nos de que o “Paseo de autobús hop-on hop-off” não seria uma boa ideia. Passeio caro e rápido demais… ele preferia que utilizássemos taxi! Como a Marta já não tinha certeza se queria ou não esse passeio, decidimos por não o fazer. Nossa opção foi flanar pela cidade, seguiríamos um roteiro mais ou menos estabelecido, usaríamos o metrô, o ônibus e caminharíamos muito. A ideia parecia boa e assim fizemos.

Seria preciso um chip (em espanhol, um “SIM”) para o celular, pois o Google maps seria nossa principal ferramenta de localização. Precisaríamos também de um cartão para o transporte público. Isso tudo deveria ser providenciado sem demora, ainda no primeiro dia. Compramos bem barato um cartão de uma operadora local que não funcionou, depois adquirimos de graça um cartão Claro que, com uma pequena carga, funcionou durante todos os dias em que estivemos lá. O cartão de transporte público, o SUBE, foi bem mais fácil.

Nesse primeiro dia, ficamos desconfiados fosse pelo taxista muito solícito, fosse pela atendente ou proprietária do Kiosko, um tipo de banca de jornais que nos vendeu o “SIM” que não funcionou, fosse pelos serviços do hotel — esse merece um parágrafo especial!

Embora Buenos Aires seja uma cidade enorme, há uma proximidade entre as pessoas que já não se encontra mesmo nas cidades interioranas do estado de São Paulo. O portenho nos ouve com atenção se falamos em português, não ri se tentamos falar espanhol e é muito pronto a ajudar. Há um calor humano e uma oferta de gentilezas que já estamos perdendo por aqui. Essa informalidade, vamos dizer assim, no hotel se traduzia em “pequenos problemas”.

Logo que chegamos ao hotel, ligamos o “ar-condicionado”, que não resfriava coisa nenhuma. No banheiro, a Marta desconfiou que as toalhas não tinham sido trocadas. Depois de usar a privada, notei que a caixa d’água não enchia, era preciso abrir a caixa e tampar a saída d’água manualmente. A Marta desceu até a recepção com uma lista de reclamações, ouviu que o hotel não tem ar-condicionado, tem só aquecimento e ventilação, no momento, só a ventilação estava disponível (mais tarde notamos que a preocupação dos argentinos é o frio, não o calor). Até deram toalhas novas para a Marta, mas, no tempo em que estivemos lá, percebemos que trocar toalhas nunca esteve na lista de prioridades. A caixa d’água da privada ainda agora deve estar esperando conserto. Durante o tempo que estivemos lá, a Marta sofreu mais com isso tudo do que eu.

Antes de iniciarmos o primeiro passeio, fomos ao Goya, um bar na esquina da rua Suipacha, onde estávamos hospedados, com a avenida de Mayo. Fomos abordados por um vendedor ambulante que vende meias. Ele foi colocando meias em nossas mãos, em cima da mesa, entre batatas fritas e pães, e só depois de muita insistência desistiu e foi embora. Como a atitude dele foi muito incomum, comecei a verificar se ele poderia ter levado alguma coisa que estivesse em cima da mesa. Senti falta da tampa de uma lente da câmera fotográfica, algo que para ele não valeria nada, mas que oportunamente eu teria de repor. Nesse momento, uma portenha veio alertar-nos, em inglês, a respeito do equipamento fotográfico. Foram várias as advertências que eu tive a respeito da câmera fotográfica nos dias em que estivemos lá, no entanto, o ambulante não levou nada, a tampa ficou no bolso da calça que usei na viagem. Só percebi isso na volta, quando vesti aquela calça de novo.

Se essa tinha que ser uma viagem para “ver” Buenos Aires, então, que fosse também uma viagem para fotografar. Uso uma câmera Canon Rebel T6, que é uma câmera semiprofissional, com uma lente EFS 18-55mm e uma EF-S 55-250mm. Levo tudo numa bolsa, também da Canon, e isso talvez seja mesmo chamativo. Depois do bar Goya fomos visitar e fotografar o Obelisco, a Casa Rosada e arredores. Por sinal, algumas das fotos dessa viagem estão em meu Instagram.


sábado, 16 de abril de 2022

Buenos Aires e outras cidades literárias

Um título mais apropriado seria Outras cidades literárias e Buenos Aires, já que a capital argentina ficou para o final! De todo modo, o que tenho a dizer é que, em literatura, os grandes autores ambientam seus romances nas cidades em que vivem. Assim, Rio de Janeiro é a cidade de Machado de Assis, ali se passam Dom Casmurro, Memórias póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba, ainda que esse último tenha seu início em Barbacena, MG. Londres é a cidade de alguns dos romances de Virginia Woolf, ao menos daqueles que eu li, como Mrs Dolloway. Dublin, capital da Irlanda, é a cidade de James Joyce, tanto que sua coleção de contos, Dublinenses, é uma ficção sobre os moradores de lá. Faz tempo que li Clarice Lispector, mas, salvo engano meu, ela ambienta boa parte de seus contos e romances em São Paulo e no Rio de Janeiro, nas duas cidades, não me lembro de outras.

Tony Bellotto organizou duas coletâneas de contos simpaticíssimas, São Paulo Noir e Rio Noir, ambas pela editora Casa da Palavra. Entre os grandes méritos, está o de reunir contistas brasileiros contemporâneos. Ainda que alguns sejam de escritores muito conhecidos como Marçal Aquino, Drauzio Varella e Luís Fernando Veríssimo, há também autores mais recentes como Vanessa Barbara.

Por causa de minha viagem para Buenos Aires, li o livro de João Correia Filho, Buenos Aires, livro aberto: a capital argentina nas pegadas de Borges, Cortázar e cia. Não li outros livros de João Correa Filho, só o dedicado a Buenos Aires, e até acredito que esse guia tenha sido possível devido ao sucesso anterior de seu livro Lisboa em Pessoa: guia turístico e literário da capital portuguesa. Digo isso porque eu esperava mais do livro, quer dizer, no final, nada do que li será aproveitado nesse passeio e terei que descobrir Buenos Aires por mim mesmo!

O livro de Airton Ortiz sobre Atenas, que tem como título, justamente, o nome da cidade, Atenas, acabou sendo uma boa referência durante o início de meus estudos da língua grega e até rendeu algumas conversas divertidas com minha amiga Anthee. É que os hábitos gregos mais pitorescos que ele descreve, algumas malandragens, por exemplo, acabaram sendo desmentidas pela minha amiga e, para falar a verdade, refletindo agora um pouco mais sobre sua narrativa, o tom é tão ficcional quanto qualquer boa história de pescador!

Eu mesmo conto histórias de lugares por onde andei, ainda que tenham sido poucos os lugares. Escrevi sobre Aracaju, nos dias em que vivi por lá, mas eram páginas de um caderno que eu escrevia a mão, nada parecido com um blog — eu nem sei dizer se já existia blog naqueles dias. Aracaju aconteceu em 2002, em breve se completarão 20 anos daquela aventura. Também mantive um diário quando estive em Ribeirão Preto. Tanto em Aracaju quanto em Ribeirão Preto foram vários meses, em Buenos Aires serão cinco dias apenas. Portanto, essa não será a viagem mais longa, nem a mais distante; será a primeira internacional.

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Buenos Aires: primeiro planejamento

 























Ainda não fiz uma viagem internacional. Sempre tive em perspectiva que, por aprender línguas, em algum momento eu faria uma viagem para fora do Brasil, até mesmo com fins acadêmicos. Quem sabe um intercâmbio… vários colegas fizeram durante a graduação.
 
O intercâmbio não aconteceu e a viagem ficou por minha conta mesmo. Durante a pandemia, os preços de viagens despencaram e foi possível comprarmos, eu e a Marta, minha namorada, um pacote de cinco dias em Buenos Aires. Isso foi em 2020 e a viagem aconteceria cerca de dez meses depois, em abril de 2021, o caso é que ninguém imaginava que a pandemia fosse durar o que durou, ou ainda dura.
 
Curiosamente, o espanhol é uma língua que ainda não consegui aprender e hoje o aprendizado de uma língua nova é algo que caminha muito lentamente. É que me parece ser mais necessário desenvolver ou aprimorar um pensamento crítico do que aprender um outro idioma. Sem contar que ainda devo avançar no aprendizado daqueles idiomas que aprendi pouco além do nível intermediário. Ainda assim, fiz alguns estudos de espanhol e li alguns livros. Até ajudei a traduzir um capítulo de uma autora mexicana, tradução que deve ser publicada ainda esse ano!
 
De acordo com o planejado, eu teria algum dinheiro para a viagem, que deveria acontecer em abril, mas a viagem foi transferida para outubro e daí eu já não tinha mais reservas, apenas o cartão de crédito. Inflação, um verme na presidência desgovernando o país e o dinheiro se foi. Durante a crise administrativa que ainda dura, ao menos um amigo de militância morreu num momento em que já existia vacina, e nem velório teve. A viagem foi transferida de novo, dessa vez para abril de 2022.
 
Ao que parece, dentro de alguns dias estaremos em Buenos Aires e pretendo contar a experiência aqui. Esse blog ficou parado por alguns anos enquanto eu tentava um projeto de crítica literária numa página WIX que na verdade nunca ofereceu vantagem alguma em relação à essa. Para quem quiser acompanhar, além dos textos deste blog, publicarei fotos em meu Instagram.
 
Na verdade, a viagem quase foi cancelada, perdida mesmo, porque, como estava dizendo mais acima, praticamente não tenho mais recursos. Foi por insistência da Marta que acabamos não perdendo essa viagem que já está paga. Isso posto, essa será uma viagem para “vermos” Buenos Aires. O plano é andarmos por alguns bairros, por sugestão da Marta vamos fazer um passeio de ônibus turístico, do tipo hop-on hop-off. Por sugestão minha, vamos passar uma tarde na Universidad de Buenos Aires.
 
Eu e ela lemos um mesmo guia de viagens e anotamos alguns lugares, depois confrontamos as listas e marcamos os lugares que coincidiram. Assim, já que vamos ficar no Microcentro, parece-nos certo que visitaremos a Casa Rosada e a Plaza Lavalle, nem que seja para vermos a fachada. O Cementerio de la Recoleta também foi um dos pontos que ambos marcamos, mas agora não tenho certeza, pois parece haver lugares demais em nossa lista. É possível que visitemos o Parque 3 de Febrero, o Museo Evita e o Museu de Arte Latinoamericano de Buenos Aires, se tivermos de escolher apenas um dentre os três, eu insistirei no último.

Também queremos ver a Mafalda, que fica em frente à casa onde morou Quino, e, claro, uma livraria, a Libros del Pasaje, que fica no shopping Recoleta Village. Estamos terminando os últimos preparativos.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Mensagem triste de Natal aos professores



No decorrer deste ano, o professor Daniel publicava um texto bastante emotivo a respeito de seu desligamento do quadro de professores da UNIRP (São José do Rio Preto, SP). Com o título “Fui demitido, após 20 anos de dedicação à mesma instituição”, dizia estar sendo desligado “porque a educação está em uma profunda crise econômica, financeira, política, espiritual e moral que não é apenas dela”. Diante desse desabafo, o que adivinho ter sido expresso pelos colegas, pois também já vivi situações similares, é o pensamento silencioso “antes ele do que eu”. Essa apatia deve-se à ideia de que logo ele estaria novamente empregado e o caso, esquecido.

Não foi o que aconteceu. Não é o que está acontecendo. Venho acompanhando as notícias por meio de colegas professores e de colegas alunos.

Recentemente, o corpo discente do Centro Acadêmico Rolando Tenuto, do curso de Medicina da Universidade São Francisco (Bragança Paulista, SP) publicou uma nota de repúdio pela demissão do professor Douglas Collina Martins. Nesta semana, depois de um período de intervenção devido à dívidas, a UNORP (São José do Rio Preto, SP) apresentou uma lista grande de professores demitidos e prometeu ampliá-la antes do final deste ano. Logo em seguida, a UNIP (São José do Rio Preto, SP) também anunciou demissões. Vale informar que os professores demitidos não têm os direitos trabalhistas respeitados (tenho menos informações a respeito da USF, mas sei que a UNORP, a UNIRP e a UNIP, simplesmente, nunca recolheram o FGTS e, com cinismo, recomendam a seus demitidos que procurem um advogado).

Dessa vez, o pensamento “Antes ele do que eu” não deu muito certo, porque, ao menos na UNORP, os professores que ficaram não receberam o pagamento de dezembro e têm medo de que, ao cobrar a direção da universidade, possam aborrecer alguém e acabar incluídos na próxima lista de demitidos.

Vale uma reflexão a respeito desse quadro.

A população, de um modo geral, não sabe o que é ou para que serve uma universidade. Por causa isso, paira no ar uma ideia de que temos todos de ser práticos e valorizar os cursos práticos. Por esse motivo, os cursos técnicos estão, momentaneamente, em alta. Digo momentaneamente porque a crise das universidades, que forma os professores dos cursos técnicos, logo os atingirá também. Igualmente, as universidades públicas, responsáveis pela maior parte dos trabalhos de pesquisas, já são atingidas. Isso porque as pesquisas foram, inesperadamente, tidas como desnecessárias, uma vez que a população, de um modo geral, não liga desenvolvimento com pesquisa com universidade.

Se fosse possível que um plano de um país apenas com profissionais técnicos desse certo, e que esses profissionais não precisassem contar com direitos trabalhistas… (esse plano é tão mirabolante que nem dá para levar adiante tal raciocínio).

Gostaria de dizer aos professores que estão perdendo o emprego, que assisto com grande indignação e faço votos de que, em breve, no novo ano que se inicia, tenhamos trabalhadores mais indignados e muito mais dispostos a mudar esse quadro.


sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Esse novo partido…


De repente, pelo direito de portar armas estamos oferecendo os direitos trabalhistas, o direito à saúde gratuita, o direito à educação gratuita, entre outros. Dizem que essa troca acontece para favorecer uma suposta desoneração do Estado; mas, até agora, nenhum de nossos imposto foi cancelado e abrir uma empresa no governo Bolsonaro continua tão complicado quanto era no governo Lula.

Curiosamente, o partido Aliança pelo Brasil, ao contrário do que o nome diz, não quer alianças; foi criado para possibilitar o exercício da autoridade de um só homem, para acabar com as tentativas de diálogo e para promover a indústria armamentista. Já foi percebido que Bolsonaro não preside o Brasil; ele, na verdade, usufrui do cargo de presidente trabalhando em benefício próprio e, para ele, nada mais importa além da manutenção desse poder.

Conforme foi divulgado, a escultura de cartuchos é uma obra do artista Rodrigo Camacho, encomendada pelo deputado Delegado Péricles (PSL). Essa escultura poderia ser apenas mais um monumento ao mal gosto — como aquelas réplicas da Estátua da Liberdade em frente às lojas Havan. Contudo, essa não é apenas uma questão estética, pois faz apologia à violência, autorizando, por exemplo, o vandalismo do deputado Márcio Tadeu A. Lemos (PSL) na exposição do Dia da Consciência Negra, na Câmara dos Deputados; ou o do deputado Daniel Silveira (PSL), durante a campanha, quando quebrou a placa em homenagem a Marielle Franco. Autoriza também a morbidez do governador Wilson José Witzel (PSC), que faz questão de acompanhar pessoalmente ações policiais que podem resultar em morte — não para conter os excessos dos agentes, mas para incentivá-los.

A conta grande do governo Bolsonaro ainda não chegou, mas vai chegar. Já temos notícias de políticos, artistas e pesquisadores exilados. Temos notícias de morte de políticos (Marielle Franco), e de políticos ameaçados (Marcelo Freixo). Temos também notícias de morte de inocentes (Ágatha Félix). Ainda assistimos a uma tentativa de aprovação de um “excludente de ilicitude”, que tem por fim o uso de força letal contra manifestantes que se juntarem contra o governo. Apesar disso, a conta grande ainda não chegou, ainda está por chegar. Ela virá na forma duma ampliação das diferenças sociais, suas consequências e uma grande dificuldade de reversão do quadro.

Recentemente, li a crônica “É preciso também não perdoar”, de Clarice Lispector. É uma crônica curtinha na qual ela discute a tolerância com o agressor e termina dizendo que

“Há uma hora em que se deve esquecer a própria compreensão humana e tomar um partido, mesmo errado, pela vítima, e um partido, mesmo errado, contra o inimigo. E tornar-se primário a ponto de dividir as pessoas em boas e más. A hora da sobrevivência é aquela em que a crueldade de quem é a vítima é permitida, a crueldade e a revolta. E não compreender os outros é que é certo” (Todas as crônicas, p. 148).

Já se percebe que estamos em guerra. O radicalismo político de agora é intransponível. O inimigo já apresentou as armas, está em marcha acelerada e muito disposto a matar. Sem metáfora e sem simbolismo: morte simples e concreta. É preciso iniciar uma reação imediatamente.

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

A militância política de Katerina Gógou


Semelhanças entre o terrorismo anarquista grego e a ameaça de criminalização dos movimentos sociais brasileiros


Comunicação apresentada em 05 de junho de 2019, no “VII Congresso Nacional do PPG-Letras e XX Seminário de Estudos Literários: Políticas da literatura”, que neste ano comemorou os 40 anos do Programa de Pós-Graduação em Letras da UNESP, Câmpus São José do Rio Preto.


Nicolas Pelicioni de Oliveira: Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da UNESP, Câmpus de São José do Rio Preto, na linha de pesquisa “Perspectivas Teóricas no Estudo da Literatura”, com o projeto “A construção do mito em Katerina Gógou: a biografia como elemento de interferência na recepção da obra literária”


Comunicação


Com o projeto “A construção do mito em Katerina Gógou: a biografia como elemento de interferência na recepção da obra literária” pretendo mostrar como o autor empírico pode interferir no entendimento que se tem de sua obra ao ficcionalizar informações de sua história pessoal.

A peculiaridade de Katerina Gógou, no que diz respeito a essa ficcionalização, é sua proximidade e até mesmo militância junto a grupos de extrema esquerda. São grupos anarquistas, mais de um, e, o mais famoso talvez tenha sido o “Organização Revolucionária 17 de Novembro” (Επαναστατική Οργάνωση 17 Νοέμβρη). Como de tempos em tempos o grupo muda de nome, atualmente é conhecido como “Luta revolucionária” (Επαναστατικός Αγώνας). Essa militância é mencionada insistentemente na obra poética da autora.

Recentemente, em janeiro de 2017, aconteceu a prisão de uma das lideranças do grupo “Luta revolucionária”, Panagiota Roupa, conhecida como Póla. A prisão dessa líder teve repercussão internacional, sendo noticiada, por exemplo, pelo jornal norte-americano The New York Times com a manchete “A mais procurada terrorista grega é presa nos subúrbios de Atenas” (Greece’s Most-Wanted Terrorist Is Arrested in Athens Suburb, 05.jan.2017). De fato, o termo “terrorista” é também encontrado na poesia de Katerina Gógou; contudo, o termo “terrorista” parece merecer nova interpretação. A exemplo da proposta de lei sugerida no Brasil pelo então candidato à presidência, Jair Bolsonaro (“Proposta de Bolsonaro, votação da ampliação da lei antiterrorismo é adiada no Senado”, Estadão, 31.out.2018), que poderia criminalizar movimentos sociais, abre uma série de possibilidades interpretativas a respeito do que terá sido o “terrorismo” em relação a Katerina Gógou.

Observo que esse grupo anarquista, “Luta revolucionária”, está de fato envolvido em conflitos com a polícia e realmente pratica atos de vandalismo. É muito provável que tenha sido ação desse grupo a invasão e pichação da embaixada brasileira em Atenas, no dia 20 de fevereiro de 2019, em protesto contra a postura machista, homofóbica e racista do presidente Jair Bolsonaro, como afirma o jornal Cruzeiro do Sul, do dia 25 de maio de 2019. Esse tipo de ação assemelha-se às praticadas por Katerina Gógou. Quanto à acusação de terrorismo, a poeta manifesta-se no livro O mês das uvas geladas (1988) nos seguintes termos:

Terrorismo: Domínio por meio daviolência. Terror.E terrorista quer dizer o quê?Não quero a resposta dos que o inventaram.Peço a resposta dos sem fôlego.

A persona poética não se importa com os inventores da palavra “terrorismo”, que são aqueles que a acusam, mas com aqueles que se mobilizaram por não terem opção ou por já estarem “sem fôlego”. Nesse caso, os terroristas são os que sofrem algum tipo de opressão social.

É muito significativa essa mudança do termo “manifestantes” para “terroristas”, pois as mudanças quanto ao entendimento jurídico que se passará a fazer de grupos constituídos por minorias sociais pode não apenas intensificar a opressão como também justificar o uso de violência. Vale mencionar que o terrorismo atual passou a ser entendido como muito mais belicoso após o ataque ao World Trade Center, nos Estados Unidos. Ainda no governo progressista de Barack Obama, o terrorista Osama Bin Laden pôde ser sumariamente executado numa ação criticada dentro e fora dos Estados Unidos. Apesar da brutalidade do assassinato, o jornalista Clarke escreveu no jornal The New York Times que,

[o]s Estados Unidos precisavam eliminar Osama Bin Laden para satisfazer um clamor por justiça e, em menor medida, encerrar o mito de sua invencibilidade. Mas jogar o corpo de Bin Laden no mar não encerra a ameaça terrorista, tampouco acaba com a motivação dos apoiadores do Al Qaeda (02.maio.2011).[1]

O ataque terrorista do dia 11 de setembro de 2001 fez despertar o que há de pior na belicosidade dos Estados Unidos e, mais do que isso, parece ter autorizado toda uma prática de tortura e execuções que, aparentemente, vinham sendo abandonadas. Dado o caráter hegemônico da economia norte-americana, as práticas que lá são produzidas acabam por influenciar práticas ao redor do mundo. Muito provavelmente, em seus dias, Katerina Gógou, como terrorista, não correria os mesmos riscos daqueles que são acusados de terrorismo depois do ano de 2001.

A política armamentista do governo Bolsonaro, que, durante a campanha, demonstrava ser favorável à execução sumária, como atestam um grande número de entrevistas com o então candidato à presidência; agora, mesmo antes de ter implantado os seus projetos — dentre eles é exemplo a lei anticrime proposta pelo ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro —, a intenção já faz aumentar não só os casos de agressividade como também os números da violência policial, como atesta o levantamento do jornalista Alfredo Henrique para a Folha de S. Paulo. Segundo o jornalista, as mortes provocadas por policiais em serviço foram 48% maior no mês de março de 2019, que somam 64 suspeitos mortos, em relação ao mesmo mês do ano anterior, 43 mortos.

No dia 24 de fevereiro de 2019, Guilherme Boulos, professor, coordenador do Movimento Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Frente Povo Sem Medo, que foi candidato à Presidência da República pelo PSOL em 2018, denunciou por meio de redes sociais a agressão e a ameaça de morte que sofreu o líder do MTST Goiás, que, ao perguntar ao policial se havia um mandato teve como resposta a exibição de um fuzil e a ameaça: “Aqui está o meu mandato. Fala alguma coisa de novo”. Como explica Boulos:

Não é a primeira ameaça que sofremos, mas não tenho dúvidas de que a postura e os atos do presidente Jair Bolsonaro, todos no sentido de criminalizar os movimentos sociais, são lidos como uma carta branca para a truculência do Estado (24.fev.2019)

Em procedimento que faz lembrar Manuel Bandeira em “Poema tirado de uma notícia de jornal”, Katerina Gógou registra, sob a interrogação “Mas não há Estado?”, que é um de seus poucos poemas que recebem título, a invasão de um domicílio. No poema seguinte, sem título, ambos do livro Repatriação, publicado postumamente (2004), registra a ação policial que resultou na morte do adolescente Michael Kaltézas (1970-1985), entre outros três manifestantes adultos.


MAS NÃO HÁ ESTADO?[2] A Tribuna de Domingo[3] 11.9.1978  REVISTA DO DOMICÍLIO PARA INVESTIGAÇÃO E DETENÇÃO, INSPEÇÃO E CONFISCO O título anuncia um final previsível. EM ATENAS, HOJE, 11º DIA DO MÊS DE JULHO DO ANO DE 1978, TERÇA-FEIRA, ÀS 4h que eu deite um cobertor sobre mim e em toda parte, nas janelas. Um que pernoita é presa de seus vizinhos traíras. Um poeta que escreve é uma criança muito muito pequena, tem febre durante a noite. Age e vive automaticamente, é ignorante da lógica do perigo. Imagina o seu próprio combatente como acusador das injustiças cometidas por todo lado. Por isso sente frio. VIEMOS PARA O CUMPRIMENTO DA REVISTA DO DOMICÍLIO E CAPTURA DO PROCURADO, COM ESCOLTA DE FORÇA POLICIAL, TENDO INFORMAÇÕES SEGURAS DE QUE O PROCURADO ESCONDE-SE EM SUA RESIDÊNCIA. ENTRAMOS NO PRÉDIO COM USO DAS CHAVES. OS HOMENS DAS FORÇAS ARMADAS TOMARAM O CONDOMÍNIO PELOS DOIS LADOS DA ESCADARIA…

Os elementos narrados em primeira pessoa na obra poética de Katerina Gógou estão próximos de sua história pessoal, contudo, ela é muito consciente de não estar escrevendo uma biografia e, muito sem cerimônia, a persona poética que fala leva o leitor a enganos. No poema que se segue ao “Mas não há estado?” são apresentados nominalmente as vítimas de um ataque policial; a saber: Kassímis, Tsirónis, Tsoutsouvís, Kaltézas, Prékas. Informações como essas, insistentemente colocadas em literatura, prestam-se, por um lado, a induzir o leitor a uma leitura biografista; por outro, de fato a registrar um momento histórico.

Para encerrar esta comunicação, lembro que, no Brasil, estão entre os acontecimentos brutais recentes a comemoração que o governador do estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), fez do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL). Esse ato de afronta coloca as forças institucionais em estado de guerra, aparentemente, contra seus próprios cidadãos. Por vezes, é a arte que faz a denúncia das atrocidades de forma mais contundente. Por exemplo, em situação análoga à de Katerina Gógou, o grupo de RAP Racionais MC’s denunciou o massacre do Carandiru, em 1992, apontando nominalmente o responsável:

Ratatatá, Fleury e sua gangueVão nadar numa piscina de sangueMas quem vai acreditar no meu depoimento?Dia 3 de outubro, diário de um detento(JOCENIR; BROWN, 2018, p. 89)

A arte assim é apresentada não apenas como contestação de uma ordem social absurda, mas, principalmente, como denúncia da brutalidade das autoridades. A realidade brasileira presente permite algum entendimento, por analogia, a respeito do que terá sido o contexto ditatorial e militar no qual Katerina Gógou produziu sua obra. Essa contextualização será importante para o desenvolvimento do meu trabalho de pesquisa A construção do mito em Katerina Gógou.

Referência

BOULOS, Guilherme. Governo Caiado entra sem mandado e faz ameaças de morte em acampamento do MTST em Goiânia. Instagram. 24 de fevereiro de 2019. Disponível em https://www.instagram.com/p/BuQ6AHjAQfb/. Acessado em 24.fev.2019.

CLARKE, Richard A. Bin Laden’s Dead. Al Qaeda’s Not. The New York Times. 02 de maio de 2011. Disponível em: https://www.nytimes.com/2011/05/03/opinion/03clarke.html?searchResultPosition=2. Acessado em 26.maio.2019.

GÓGOU, Katerina. Nóstos [Repatriação]. In: ______. Tóra na doúme eseís ti tha kánete: poiémata 1978-2002 [Agora veremos o que vocês vão fazer: poemas 1978-2002]. Atenas: Edições Kastaniotis, 2013.

GÓGOU, Katerina. O mínas ton pagoménon estafilión. [O mês das uvas geladas]. In: ______. Tóra na doúme eseís ti tha kánete: poiémata 1978-2002 [Agora veremos o que vocês vão fazer: poemas 1978-2002]. Atenas: Edições Kastaniotis, 2013.

GÓGOU, Katerina. Tóra na doúme eseís ti tha kánete: poiémata 1978-2002 [Agora veremos o que vocês vão fazer: poemas 1978-2002]. Atenas: Edições Kastaniotis, 2013.

HENRIQUE, Alfredo. Número de mortos em confrontos com policiais sobe 48%. Folha de S. Paulo. 03 de abril de 2019. Disponível em https://agora.folha.uol.com.br/sao-paulo/2019/04/numero-de-mortos-em-confrontos-com-policiais-sobe-48.shtml. Acessado em 25.maio.2019.

JOCENIR; BROWN, Mano. Diário de um detento. In: RACIONAIS MC’S. Sobrevivendo no inferno. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

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TRUFFI, Renan. Proposta de Bolsonaro, votação da ampliação da lei antiterrorismo é adiada no Senado. O Estado de S. Paulo. 31 de outubro de 2018. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,proposta-de-bolsonaro-votacao-da-ampliacao-da-lei-antiterrorismo-e-adiada-no-senado,70002576840. Acessado em 10.jan.2019.





[1] The United States needed to eliminate Osama bin Laden to fulfill our sense of justice and, to a lesser extent, to end the myth of his invincibility. But dropping Bin Laden’s corpse in the sea does not end the terrorist threat, nor does it remove the ideological motivation of Al Qaeda’s supporters.
[2] Tradução minha e de Anthee Bezioula.
[3] Το βήμα της Κυριακής, título de um jornal ainda hoje em circulação.

Buenos Aires: Facultad de Filosofía y Letras

  Fazia parte dos planos de passeios por Buenos Aires visitarmos uma universidade, mais especificamente, um curso de Letras. Isso porque sem...