domingo, 6 de agosto de 2017

Eu e Dom Casmurro

Havia jurado a mim mesmo que não voltaria a ler Machado de Assis. Claro que tenho justificativa para isso: já li as obras completas, passei pelos romances principais mais de uma vez e, principalmente, há uma infinidade de autores que também preciso ler.

O Dom Casmurro foi, sem dúvida, minha grande experiência literária — em se tratando de romances. Começou nos dias de escola, quando nossa professora nos levou à biblioteca para que cada um de nós escolhesse um livro. Como todos se amontoaram na prateleira da série Vaga-Lume, fui procurar meu livro noutra estante e achei curioso o título Dom Casmurro, ainda por cima, a capa sem desenhos dava um ar de livro de gente grande — eu devia ter onze anos na época. Escolhi aquele e, para minha surpresa, a professora disse que aquele não podia! Era só o que faltava...

Escolhi um livro ao gosto da professora, mas fiquei com o título estranho do livro proibido em minha cabeça. Alguns dias depois, descobri o livro na estante de casa! Não pedi autorização a ninguém, não falei a ninguém, li às escondidas! Hoje eu não chamaria aquilo de leitura, diria apenas que juntei vogais e consoantes da primeira à última página. Desse modo, passei pelo Dom Casmurro aos meus onze anos de idade.

Aos vinte e um reli o Dom Casmurro. O ano era 1994 e eu estava no cursinho, preparava-me para o vestibular da Unicamp — que não resultou em nada, diga-se de passagem. Aquela foi uma leitura um pouco mais madura, ainda assim, uma leitura rápida. Eu tinha uma lista de livros por ler e fazia o que estava ao meu alcance!

Alguns anos depois, tive a iniciativa de ler as obras completas de Machado de Assis. Eu tinha vinte e nove anos e, confesso, algumas leituras foram feitas no sistema “juntar vogais e consoantes”. Contudo, o Dom Casmurro eu li detidamente. Também as Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba. Por aqueles dias li um livro bacana, Freud e Machado de Assis: uma interseção entre psicanálise e literatura, de Luis Alberto Pinheiro de Freitas.

Foi a última vez que li Machado de Assis. Eu tinha 29 anos, nessa época em começava minhas leituras das obras de Nietzsche — o único filósofo que de fato li —, nas traduções de Paulo César de Souza. Foi justamente essa literatura, junto de alguns dos livros do linguista Marcos Bagno, e dos meus estudos de grego, que fui levado a decidir-me pelo curso de Letras.

Comecei a estudar Letras aos 38 anos. Havia uma lista de autores por ler: Clarice Lispector, João Guimarães Rosa — eu queria os clássicos, esses escritores tidos como difíceis. Seria preciso delimitar o estudo, assim, eu não leria mais obras de culturas que não estudo. Eu estudo literatura de língua inglesa, especialmente do Reino Unido, desse modo estava na minha lista James Joyce — já havia lido um pouco de Shakespeare e de Virginia Woolf —, literatura de língua francesa, de língua grega (clássica e moderna), de língua alemã, embora eu tenha abandonado os estudos de língua alemã antes de conseguir ler textos, e de latim.

Inglês, francês, grego, alemão e latim. Não tenho interesse por obras, mesmo traduzidas, do italiano, do espanhol, do russo, etc. Não porque não sejam interessantes, mas porque não conseguirei ler tudo o que quero nos idiomas aos quais já me dedico — uma questão de economia de tempo.

Economia de tempo. Não leria mais Machado de Assis porque preciso de tempo para ler outras obras. Já como aluno de mestrado, estudei João Guimarães Rosa com Ulisses Infante, Clarice Lispector com Arnaldo Franco Jr., e, de repente, pude estudar Machado de Assis com Lúcia Granja... Agora terei mais um semestre com ela e já são tantas as informações novas a respeito desse tal de Dom Casmurro que o livro chega cheio de novidades. Tenho que reler!

Aquelas obras completas dos meus onze anos acabou no lixo. Não foi vendida nem trocada por ser coleção em vários volumes, e, como eu já tinha a versão completa de Machado de Assis em formato digital, disponível pelo MEC, acabei por me desfazer da coleção — a propósito, dois links para sites interessantes:

Sob a responsabilidade de Marta de Senna (pesquisadora titular da Fundação Casa de Rui Barbosa), a página Machado de Assis.net, e a página do MEC, Machado de Assis: Obras completas.

Agora estou novamente às voltas com Machado de Assis e, por alguma ironia, quero os livros impressos! Não só volto à leitura, como também volto à coleção de livros de Machado de Assis.

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