sábado, 31 de dezembro de 2016

A tradução de um poema de Emily Dickinson

A carioca Ana Cristina Cesar (1952-1983), poeta, jornalista, tradutora e crítica, foi, nas palavras de Armando Freitas Filho (2016, p. 161), “uma promessa que se cumpriu suficientemente”. Contudo, houve quem não gostou quando ela foi homenageada pelo Flip 2016 — por exemplo: Felipe Fortuna, que em artigo para o jornal Folha de São Paulo (29/06/2016) afirmou que a escolha foi “a marca do desprestígio da literatura nos meios de comunicação”.

Talvez o elemento de sedução da Ana seja o carinho que ela demonstra pelo mundo das Letras e a dedicação que tem ao trabalho como poetisa. Na introdução do ensaio “traduzindo o poema curto” (CESAR, 2016, p. 464), ela afirma estar fazendo uma tentativa de organizar e estruturar os estudos que apresentou em seminários de classe, durante o curso de Letras. Esse ensaio, bem como outros trabalhos críticos, é, sobretudo, uma reflexão a respeito de seu próprio fazer poético.

Os trabalhos de tradução que eu tenho feito seguem um caminho diferente do da Ana, mesmo assim, gostei muito das análises apresentadas por ela, tanto em prosa quanto em poesia. Abaixo apresento uma molecagem minha que resultou das leituras das análises de traduções da Ana: termino a tradução do poema da Emily Dickinson que ela apenas esboçou!


280
Emily Dickinson

Sinto um Enterro em minha Mente,
Enlutados aqui e ali
Marcham — marcham — até me parecer
Que o sentido irrompe —

Quando todos estiverem sentados
O Sistema, como um Tambor
Baterá — baterá — até eu acreditar
Que minha Mente entorpeceu-se

Então os ouço erguendo a Caixa
E range em minha Alma
Com o Chumbo desses Passos, de novo,
O Espaço — tangendo

E o Céu inteiro seria um Sino
E o Ser, só um Ouvir,
Silêncio, e eu, uma estranha Raça
Destruída, solitária, aqui —

Então, quebra-se a Tábua da Razão,
E afundo mais, e mais —
E atinjo um Mundo, em cada mergulho,
E sei Enfim — então —


280
Emily Dickinson

I felt a Funeral, in my Brain,
And Mourners to and fro
Kept treading — treading — till it seemed
That Sense was breaking through —

And when they all were seated,
A Service, like a Drum —
Kept beating — beating — till I thought
My mind was going numb —

And then I heard them lift a Box
And creak across my Soul
With those same Boots of Lead, again,
Then Space — began to toll,

As all the Heavens were a Bell,
And Being, but an Ear,
And I, and Silence, some strange Race,
Wrecked, solitary, here —

And then a Plank in Reason, broke,
And I dropped down, and down —
And hit a World, at every plunge,
And Finished knowing — then —


Referência
CESAR, Ana Cristina. Crítica e tradução. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Versificação

Os versos latinos são muito numerosos, abaixo temos apenas alguns deles — talvez os mais relevantes para o entendimento da metrificação em língua portuguesa. Há, no entanto, condições para que o poema ocorra! Como afirma Vasconcellos (2016, p. 151),

Ser poeta elegíaco (e seu leitor) é ser um jovem que está amando. Como já se disse, na primeira elegia dos Amores, Ovídio brinca paradoxalmente com esse dado genérico: o poeta é levado a fazer elegia contra a sua vontade, depois que um maroto Cupido roubou um pé de hexámetro; assim, antes de começar a amar, primeiro se tem a forma métrica do gênero que prevê a temática amorosa. Porém para escrever elegia é preciso, necessariamente, amar, e Cupido se encarrega disso [...]. Portanto, para escrever elegia, é preciso: forma métrica, certo tema (sentimento amoroso) e um objeto de canto amoroso, a “matéria”, palavra ambígua, ao mesmo tempo tema poético e objeto amoroso:

Nec mihi matéria est numeris leuioribus apta,
aut puer aut longas compta puella comas (I, VV. 19-20)
Nem tenho matéria adequada ao ritmo:
Um garoto ou uma garota de longos cabelos bem penteados.


Pés Métricos
braquia (grego βραχύς, curto, pequeno, breve) s.f. Sinal gráfico [ ⌣ ] que, colocado sobre uma vogal, indica que ela é breve.

macro (grego μακρός, grande, longo) s.m. Sinal gráfico [ — ] que, colocado sobre uma vogal, indica que ela é longa.


Duas Sílabas
Troqueu | — ⌣ |
Iâmbico | ⌣ — |
Espondeu | — — |

Três Sílabas
Dáctilo | — ⌣ ⌣ |
Anapesto | ⌣ ⌣ — |
Tríbraco | ⌣ ⌣ ⌣ |

Quatro Sílabas
Coriambo | — ⌣ ⌣ — |

Diérese e cesura
Tanto a diérese quanto a cesura são pausas, no entanto a cesura ocorre no interior do pé métrico e a diérese no final. As duas são indicadas por barra dupla.

Metrificação
Tomando o exemplo de esquema rítmico de Goldstein (1985, p. 14) o esquema rítmico do verso “sinto o que esperdicei na juventude”, do poema Remorso, de Olavo Bilac, pode ser escandido da seguinte forma:

(1) Sin|(2) to o|(3) que es|(4) per|(5) di|(6) CEI|(7) na|(8) ju|(9) ven|(10) TU(de)

O Esquema rítmico (métrico) será resumido como E.R. 10(6-10), ou seja, um verso de dez sílabas poéticas, indicado antes dos parênteses, acentuadas nas sílabas seis e dez, como indicado no interior dos parênteses.


Verso hexâmetro

Verso de seis pés, dos quais os quatro primeiros podem ser dáctilos ou espondeus, o quinto é dáctilo, e o sexto, espondeu ou troqueu.
— ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ 

Para que o hexâmetro tenha mais efeito rítmico, pode haver cesura depois da primeira sílaba do terceiro pé ou depois da primeira sílaba do segundo e quarto pé.
— ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — || ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣
— ⌣ ⌣ | — || ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — || ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣


Verso pentâmetro

O pentâmetro consiste em duas partes de dois pés e meio cada. Composta, a primeira parte, de dáctilos ou de espondeus e uma sílaba longa, e, separado pela diérese (não cesura, pois ocorre no final da unidade métrica, não no interior), a segunda parte, composta de dois dáctilos e uma sílaba longa ou breve. 
— ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — || — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | ⌣ 

Sempre vem depois de um hexâmetro, com o qual forma um dístico elegíaco.
É exemplo de dístico elegíaco o poema Odi et amo, de Catulo:

Od(i) et a | mo qua | r(e) id || faci | am, for | tasse re | quiris
nescio | sed fie | ri || senti(o) et | excruci | or
Odeio e amo. Possivelmente você me pergunte por quê.
Ignoro, mas assim sinto – e sofro.


Verso hendecassílabo

O hendecassílabo é um verso de onze sílabas, um tanto raro. Quando há cesura, esta ocorre na quinta sílaba, mas essa posição não é fixa.
⌣ — |— ⌣ ⌣ |— ⌣ |— ⌣ |— ⌣


Estrofe alcaica

Verso criado pelo poeta grego Alceo (629-580 a. C.) e introduzida na tradição latina por Horácio (65-8 a. C.). A estrofe alcaica é constituída de quatro versos com três metros diferentes, as primeiras duas apresentam o seguinte padrão:
— | — ⌣ | — — || — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣

O terceiro verso, que também começa com uma sílaba longa, apresenta o seguinte padrão:
— | — ⌣ | — — | — ⌣ | — ⌣

O quarto verso:
— ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣| — ⌣ |— ⌣

Nem o terceiro nem o quarto verso apresentam cesura ou diérese.


Estrofe sáfica

O termo sáfico deve-se à poetisa grega Safo (a Musa de Miltilene, viveu provavelmente no século VII a. C., contemporânea de Alceo). A estrofe sáfica consiste em quatro versos de dois metros diferentes, os três primeiros apresentam o seguinte padrão:
— ⌣ | — — | — ⌣ ⌣| — ⌣ | — ⌣

É possível uma cesura na quinta sílaba desses versos:
— ⌣ | — — | — || ⌣ ⌣| — ⌣ | — ⌣

O quarto verso, sem cesura ou diérese apresenta o seguinte padrão:
— ⌣ ⌣ | — ⌣

Na tradição poética brasileira ou de língua portuguesa, os versos sáficos são os de dez sílabas, com acento na quarta, oitava e décima E.R. 10 (4-8-10). Junto ao decassílabo heróico E.R. 10 (6-10) compõe os versos preferidos dos poetas do Classicismo, incluindo Luís de Camões.


Primeiro arquilóquio

Verso empregado por Horácio. É um dístico que consiste em um hexâmetro e em um verso menor (arquilóquio menor).
— ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣
— ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | ⌣


Trocaico septenário (tetrâmetro cataléctico)

Verso composto de sete troqueus (— ⌣) com a adição de uma sílaba extra no final. Há uma diérese após o quarto pé e os troqueus nos pés pares podem ser trocados por espondeus. Seu padrão é o seguinte:
— ⌣ | — ⌣ | — ⌣ | — ⌣ || — ⌣ | — ⌣ | — ⌣ | ⌣


Cenário Iâmbico

O cenário iâmbico é o metro utilizado em diálogos de dramas ― Plauto e Terêncio, por exemplo. A cesura está, normalmente, no terceiro pé.
⌣ — | ⌣ — | ⌣ || — | ⌣ — | ⌣ — | ⌣ ⌣

São possíveis muitas variações nos primeiros, que podem ser:
⌣ ⌣ ⌣ ou — — ou — ⌣ ou — ⌣ ⌣ ou ⌣ ⌣ — ou ⌣ ⌣ ⌣ ⌣.


Iâmbico octonário

O iâmbico octonário aparecem em Terêncio e seu padrão é o seguinte:
⌣ — | ⌣ — | ⌣ — | ⌣ — | ⌣ || — | ⌣ — | ⌣ — | ⌣ ⌣

A cesura pode aparecer no quinto pé. Também podem acontecer as mesmas variações do cenário iâmbico.


Iâmbico de pé quebrado

O iâmbico de pé quebrado é o cenário iâmbico com o sexto pé troqueu ou espondeu:
⌣ — | ⌣ — | ⌣ || — | ⌣ — | ⌣ — | — ⌣


Verso asclepiadeu

Os versos a seguir consistem em um número de pés coriambos ( —⌣ ⌣ — ) precedidos de um espondeu ( — — ) e seguidos de um iâmbico ( ⌣ — ). Como a segunda sílaba do iâmbico é a última, o pé final pode resultar ⌣ ⌣ . Cada pé coriambo, exceto o último, é seguido de uma diérese.

A.
Um coriambo (sem diérese)
— — | — ⌣ ⌣ — | ⌣ ⌣

B.
Dois coriambos (o primeiro é seguido de uma diérese)
— — | — ⌣ ⌣ — || — ⌣ ⌣ — | ⌣ ⌣

C.
Três coriambos (o primeiro e o segundo são seguidos de diérese)
— — | — ⌣ ⌣ — || — ⌣ ⌣ — || — ⌣ ⌣ — | ⌣ ⌣


Vocabulário
Verso acataléctico: verso grego ou latino a que não falta nem sobra nenhuma sílaba.

Verso acéfalo: verso hexâmetro cuja sílaba inicial é breve.

Verso agudo: o que termina em palavra oxítona ou sílaba tônica.

Verso anacíclico: o que se pode ler da esquerda para a direita e vice-versa sem sofrer alteração.

Verso cataléctico: verso grego ou latino terminado por um pé incompleto.

Verso de pé quebrado: verso errado ou mal feito.

Verso dicataléctico: versos a que faltam duas sílabas, no meio e no fim.

Verso ecóico: versos cujas duas últimas palavras findam em vogal idêntica.

Verso hipercataléctico: Verso grego ou latino que tem uma sílaba de mais; hipercatalecto.

Verso métrico: o verso em que as palavras são escolhidas conforme a quantidade longa ou breve de suas sílabas.

Verso palíndromo: O que tem o mesmo sentido, leia-se da esquerda para a direita ou vice-versa.

Verso ropálico: verso grego ou latino que começa por monossílabo, tendo cada uma das palavras seguintes uma sílaba mais longa que a da palavra anterior.

Verso silábico: aquele que perfaz determinado número de sílabas.

Verso sotádico: verso greco ou romano que tanto se pode ler da esquerda para a direita, quanto da direita para a esquerda, ou invertendo a ordem das palavras.

Verso tetrarritmo: o que se compõe de quatro medidas.

Versos brancos: versos não rimados; versos soltos.


Referências
BETTS, Gavin; FRANKLIN, Daniel. Beginning Latin poetry reader. New York: McGraw-Hill, 2007.

GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons, ritmos. São Paulo: Ática, 1985.

VASCONCELLOS, Paulo Sérgio. Persona Poética e autor empírico na poesia amorosa romana. São Paulo: Editora Unifesp, 2016.


segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

A Bíblia Latina

Este texto discute a Bíblia Sagrada em seu aspecto histórico e literário, especialmente no que diz respeito a sua tradução para o latim. É dada maior atenção ao Novo Testamento por ser um texto originalmente grego ― idioma ao qual este blog também se dedica.


Antigo e Novo Testamento

A Bíblia está dividida em vários grupos de livros, dois deles são o Antigo e o Novo Testamento. Esses livros possuem divisões internas: o Antigo Testamento apresenta o Pentateuco, que são os cinco primeiros livros (os judeus chamam-no Torá); os livros históricos; o livro da poesia hebraica (Salmos); os livros da sabedoria; o livro dos profetas, estes divididos em maiores e menores (pela quantidade de texto, não pela importância dos profetas); e, finalmente, os livros apócrifos, que fazem parte da tradição Católica e não são aceitos pelas denominações evangélicas. São livros apócrifos os de Tobias, Judite, Sabedoria, Baruc, e Macabeus I e II. O Novo Testamento, por sua vez, apresenta Evangelhos, Atos dos apóstolos, Epistolas e o Apocalipse.

O Antigo e o Novo Testamento apresentam uma grande diferença quanto à natureza de Deus. Essa diferença, mais do que qualquer coisa, atesta a mudança político-social de seu tempo. O filósofo Nietzsche, leitor voraz da Bíblia, afirma com precisão ser o Antigo Testamento um livro escrito em estilo tão grandioso que as literaturas grega e indiana nada têm para lhe pôr ao lado. Esse é o livro da justiça divina, no qual Deus expulsa o homem do paraíso, castiga o Egito com dez pragas, incendeia Sodoma e Gomorra, enfim, “Com horror e veneração nos colocamos face a esses enormes vestígios do que foi o homem uma vez” (NIETZSCHE, § 52, 1992, p. 57). Neste mesmo parágrafo o filósofo apresenta seu desprezo pelo Novo Testamento, já que esse é o livro da graça, o livro cujo ponto culminante é a crucificação de Deus, ou seja, algo totalmente oposto ao espírito dos deuses da antiguidade.

O que choca o filósofo é a união em um só livro de duas naturezas divinas tão distintas: o Jesus, Deus de amor e perdão e o Deus do Antigo Testamento, que não teme castigar duramente mesmo os seus mais diletos fiéis, como, por exemplo, proibindo a entrada de Moisés na terra prometida:

4 E disse-lhe o SENHOR: Esta é a terra que, sob juramento, prometi a Abraão, a Isaque e a Jacó, dizendo: à tua descendência a darei; eu te faço vê-la com os próprios olhos; porém, não irás para lá. 5 Assim, morreu ali Moisés, servo do SENHOR, na terra de Moabe, segundo a palavra do SENHOR.(Deuteronômio, 34. 4-5, conforme a Bíblia de Estudo de Genebra, 1999, p. 242; doravante BEG)

Esse mesmo espírito severo é encontrado nos deuses da antiguidade grega, por exemplo, na ação da deusa Atena, quando tortura moralmente o herói Ájax até que este cometa suicídio. A história de Ájax é contada por Sófocles em uma peça de teatro com o nome do herói. Na peça, Ájax está revoltado por não ser reconhecido como o melhor soldado, depois de Aquiles, a lutar na guerra de Troia. Quando Aquiles morre, suas armas são dadas a Odisseu, em reconhecimento pela atuação na guerra; e, por causa disso, Ájax planeja matar os companheiros. A deusa Atenas intervém e confunde o herói fazendo que ele ataque ovelhas. Enquanto o herói assim é ridicularizado, a deusa convida Odisseu a divertir-se com o ridículo da cena: Ájax ataca ovelhas acreditando estar matando, por vingança, seus colegas soldados. Odisseu, prudente, observa temeroso, pois sabe que, caso o humor da deusa mude, a próxima vítima pode ser ele. Um comportamento tão soberbo, capaz de tripudiar a miséria humana, não é possível ao Deus do Novo Testamento, pois Jesus é Deus de perdão e seu trabalho na terra foi ensinar a oferecer a outra face.


A Escrita do Novo Testamento

O Novo Testamento foi escrito em grego (com exceção do livro de Mateus, escrito em hebraico ou aramaico). Bassetto (2001, p. 125-6) ensina que a primeira comunidade cristã era constituída pelas classes mais baixas das grandes cidades e a língua grega dessa comunidade não era a mais culta, como, por exemplo, a utilizada por Plutarco ou Luciano, mas uma variedade proveniente da fusão de vários dialetos, dentre os quais predominava o ático.

O grego da Bíblia é conhecido como koiné (κοινή) e, quanto aos autores, Freire (2008, p. 255-6) explica que se distinguem pelo uso das palavras São Lucas e São Paulo. Também são obras de perfeição estilística a Epístola de São Paulo aos Hebreus e a Epístola de São Tiago. Por outro lado, as que mais se afastam da variedade culta são o Evangelho de São Marcos e os textos de São João, sobretudo o Apocalipse.

As epístolas (επιστολή, “carta”, em grego), fazem parte do processo de cristianização da Grécia. Não são poucas as cartas: dentre os vinte e sete livros do Novo Testamento vinte e um são cartas, o que atesta a importância deste gênero para o processo de cristianização da Grécia. As cartas eram escritas a igrejas individuais, a grupos de igrejas ou a pessoas específicas (BEG, 1999, p. 1314).

O nome dos livros são por vezes nomes de cidades gregas e algumas delas existem ainda hoje, como, por exemplo, Coríntios (Νομός Κορινθίας), que fica no Peloponeso, e Tessalônica (Νομός Θεσσαλονίκης), que fica na Macedônia Central ― não confundir com o país Macedônia, vizinho da Grécia. Obviamente, por serem cidades bíblicas, são importantes centros turísticos. Também vale mencionar que hoje a religião predominante na Grécia não é a Católica, sim a Ortodoxa (Ορθόδοξα).

Com o aumento da comunidade cristã no início do século I, a Bíblia teve que adaptar-se à língua da maioria, ou seja, ao Latim Vulgar. No século II foram feitas várias traduções da Bíblia para o latim e, devido ao cristianismo, termos hebraicos e gregos foram latinizados (anathema, angelus, apostata, apostolus, baptizo, entre muitos outros). Segundo Bassetto (2001, p. 125-6), devido ao surgimento de novos valores, vocábulos latinos foram redefinidos, assim peccare passa a significar “transgredir a lei de Deus”, não mais “tropeçar”; fides passa a significar “fé” religiosa, não mais “fidelidade”. Desse modo, o vocabulário é transformado em uma língua religiosa técnica, mas, no entanto, ainda vai demorar a surgir, na Idade Média, o Latim Eclesiástico dos chamados Padres da Igreja.

Como aponta Xavier (2010, p. 222), a diferença entre o latim cristão e o eclesiástico é social, sendo o latim cristão o dos autores cristãos e o eclesiástico um latim mais relacionado aos termos da teologia, bem como ao direito canônico e à história da liturgia.

Importante mencionar que o texto antigo era sempre manuscrito, cada uma das cópias era feita a mão. Nessa época, quem copia o texto era chamado copista (scriptor, em latim). Esses copistas, segundo Bassetto (2001, p. 45), embora estudassem para exercer o ofício, erravam em seu trabalho. Erravam por distração, cansaço, má leitura ou até mesmo por decisão própria. Autores como Cícero e Marcial referem-se a erros e defeitos de toda espécie em cópias de suas obras. Também as cópias da Bíblia apresentam incorreções.

As traduções da Bíblia para o latim são conhecidas como a Vetus Latina ou Ítala, a Afra e, finalmente, a Vulgata. A Vulgata, a mais conhecida por ser a utilizada pela igreja Católica, foi traduzida por S. Jerônimo, e, a respeito dessas traduções, diz Bassetto:

A Vetus Latina de fato abrange um conjunto de traduções anteriores a S. Jerônimo (348-420), entre as quais se destacam a Ítala, literalmente fiel ao texto grego, com muitos plebeísmos, e a Afra, literalmente melhor. A Vulgata, como é conhecida a tradução de S. Jerônimo, só em parte é uma nova tradução, pois mantém o caráter literal da Ítala, além de não ter modificado nada dos livros da Sabedoria, Eclesiastes, Baruc e Macabeus I e II; os Atos dos Apóstolos, o Apocalipse e as Epístolas foram apenas retocados (BASSETTO, 2001, 125-6).

O termo Vulgata está relacionado à intenção da igreja de tornar oficial essa tradução da Bíblia e, como afirma Xavier (2010, p. 227), não ao sentido de uma versão facilitada. “A Vulgata foi concebida com o intuito de ser uma tradução padrão das Escrituras Sagradas, e, por muito tempo, foi o texto utilizado nas traduções da Bíblia para as línguas românicas” (Xavier, 2010, p. 227). Essa Bíblia precisava tanto manter o vínculo com o latim popular quanto ser atraente aos cristãos de classes sociais mais privilegiadas.


Referência
BASSETTO, Bruno Fregni. Elementos de Filologia Românica: história externa das línguas. São Paulo: EdUSP, 2001.

Bíblia de Estudo de Genebra: inclui introduções, notas de estudo, gráficos, mapas, índice para anotações e concordância. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

Catholic Bishops’ Conference of England and Wales. Biblia Sacra juxta Vulgatam Clementinam. Atualizada em 9 de janeiro de 2006. Disponivel em: < http://vulsearch.sourceforge.net/html/index.html > (acessada em 30 de janeiro de 2014).

FREIRE, Antônio. Gramática Grega. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Além do Bem e do Mal. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

XAVIER, Mayara Nogueira. O Latim da Vulgata e de Outras Traduções Bíblicas em Língua Latina. Mayara Nogueira Xavier. Orientadora: Profa. Dra. Patricia Prata. Campinas: Língua, Literatura e Ensino, Outubro/2010 - Vol. V. Acessado em 21 de fevereiro de 2016, disponível em < http://revistas.iel.unicamp.br/index.php/lle/issue/view/4/showToc >.


domingo, 18 de dezembro de 2016

História e Escolas Literárias

Texto para discussão na aula de Literatura do Cursinho Popular Carolina Maria de Jesus, no dia 24 de março de 2019.


O professor Guarinello (2014), explica que, ao escrever um livro de história, 

Alguns historiadores privilegiam a História das relações de poder, outros das relações econômicas, outros do universo simbólico das relações culturais. Alguns defendem que as sociedades se desenvolvem no tempo de modo semelhante; outros que cada sociedade ou cultura deve ser entendida em seus próprios termos. Muitos historiadores buscam as causas das mudanças históricas em ações coletivas e conscientes, enquanto outros privilegiam a soma das ações individuais (GUARINELLO, 2014, p. 11) 

Esse texto pretende mostrar algumas tabelas de períodos históricos que podem ser úteis para uma consulta rápida. Quanto às Escolas Literárias, os quadros mostram que cada país faz as divisões de acordo com sua própria cultura. 

Para a Literatura e as artes em geral, identificar o período literário ajuda a contextualizar a obra e, assim, ampliar o entendimento que se tem sobre ela. O caminho inverso, que tenta identificar o período literário a partir da obra, é bem mais complicado, senão impossível.


História Geral

Abaixo estão as datas e acontecimentos que marcam os períodos do desenvolvimento humano.

Idade Antiga (3500 a.C. — 476 d.C.)
Do surgimento da escrita à queda do Império Romano. O nascimento de Cristo marca a contagem dos anos, não a divisão do período.

Idade Média (476 — 1456)
Da queda do Império Romano à queda de Constantinopla.

Idade Moderna (1456 — 1789)
Da queda de Constantinopla à Revolução Francesa.

Idade Contemporânea (1789... )
Da Revolução Francesa aos dias de hoje.


Períodos do Brasil Político

Os períodos da história do Brasil dizem respeito à forma de governo, mais adiante estão os períodos literários.

Brasil Colônia (1500-1808)
Do Descobrimento e Início da Colonização à vinda da família real para o Brasil.

Brasil Reino (1808-1822)
Da chegada da família real à Independência.

Brasil Império (1822-1889)
Da Independência à Proclamação da República.

Brasil República (1889... )
Da Proclamação da República aos dias de hoje.


Artes

É importante notar que os períodos, inicialmente, mediam-se em séculos, depois passam a ser medidos em décadas e, finalmente, temos a impressão de que hoje talvez já não seja possível divisões.


Música


Jazz
Medieval (800-1400)
Ragtime (1890-1900)
Renascentista (1450-1600)
New Orleans (1900-1910)
Barroca (1600-1750)
Dixieland (1910-1920)
Clássica (1750-1810)
Chicago (1920-1930)
Romântica (1810-1910)
Swing (1930-1940)
Música do Século XX (1910-1950)
Bebop (1940-1950)

Hard bop (1950-1960)

Free jazz (1960...)


Literaturas

Brasileira 
A nomenclatura das escolas literárias brasileiras segue de perto os movimentos europeus — compare com os períodos da história da música ou, mais abaixo, com o quadro das escolas literárias portuguesas e francesas). Note que, levando em conta a literatura portuguesa, teríamos o classicismo antecedendo o período barroco, que é o contrário do que acontece em música. 

Literatura de Informação (1500-1601) 

Barroco (1601-1768) 

Arcadismo (1768-1836) 

Romantismo (1836-1881) 

Realismo / Naturalismo / Parnasianismo (1881-1893) 

Simbolismo (1893-1902) 

Pré-modernismo (1902-1922) 

Modernismo (1922…) 


Portuguesa 

Trovadorismo (1189-1418) 

Humanismo (1418-1527) 

Classicismo (1527-1580) 

Barroco (1580-1756) 

Arcadismo (1756-1825) 

Romantismo (1825-1865) 

Realismo / Naturalismo (1865-1890) 

Simbolismo (1890-1915) 

Modernismo (1915...) 


Quadro comparativo



Francesa
Nomenclatura simples e objetiva: os períodos são agrupados em itens e separados por séculos. A nomenclatura é bastante parecida com a brasileira e portuguesa, o que atesta a influência francesa sobre nossa literatura.


Le XVIème siècle
O século XVI

La Renaissance

A Renascença

L’Humanisme

O Humanismo

Le Baroque

O Barroco

La Pléiade

A Plêiade

Le XVIIème siècle
O século XVII

La Préciosité

A Preciosismo

Le Classicisme



Le XVIIIème siècle
O século XVIII

Les Lumières

As luzes

Le Préromantisme

Pré-romantismo

Le XIXème siècle
O século XIX

Le Romantisme

O Romantismo

Le Parnasse

O Parnasianismo

Le Réalisme

O Realismo

Le Naturalisme

O Naturalismo

Le Symbolisme

O Simbolismo

Le Décadentisme

O Decadentismo

Le XXème siècle
O século XX

Le Surréalisme

O Surrealismo

L’Existentialisme

O Existencialismo

L’Absurde

O Absurdo

Le Nouveaux Roman

O Novo Romance


Inglesa
Há semelhanças entre os termos usados no Brasil, em Portugal e na França, mas isso não é pode ser aplicado a todas as culturas. Note como a literatura inglesa mistura história da língua inglesa (Old and Middle English), movimento europeu (Renaissance, Gothic, Romantic Age) e monarquia (Commonwealth and Restoration, Augustan, Victorian).


Old and Middle English (600-1485)
Antigo e médio inglês
Renaissance (1484-1649)
Renascença
Commonwealth and Restoration (1649-1713)
Comunidade e restauração
Augustan to Gothic (1713-1789)
De Augusto ao Gótico
Romantic Age (1789-1832)
Época romântica
Victorian Period (1832-1939)
Período vitoriano
Contemporary (1939…)
Contemporâneo


Grega 
A nomenclatura dos períodos literários da Grécia Moderna confunde-se com os períodos da história política desse país. A produção literária grega tem início durante a dominação turca, quando os gregos lutavam para não perder o território, a cultura e até mesmo o idioma. A independência grega deu-se num processo que vai de 1820 até 1830, por isso, se diz que a Grécia é um estado novo com uma cultura que remonta à Antiguidade.

1000-1204
Herança Bizantina (Η Βυζαντινή κληρονομιά) ou Período Bizantino Tardio (Υστεροβυζαντινή περίοδος)
1204-1453
Dominação Franca (Η Περίοδος της Φραγκοκρατίας)
1453-1821
Período Pré-revolucionário (Η Προεπαναστατική περίοδος)
Esse período é dividido em dois: 1) de 1453 a 1669, os anos entre a Tomada de Constantinopla (Άλωση της Πόλης) e a Ocupação de Creta pelos Turcos (κατάληψη της Κρήτης από τους Τούρκους); e 2) de 1669 a 1821, os anos entre a Queda de Creta (πτώση της Κρήτης) e a Revolução (Επανάσταση).
1821-1880
Canções Populares (Το δημοτικό τραγούδι); Luta de Independência (Αγώνα); Geração de 1880 (Γενιά του 1880)
1880-1930
Literatura Neo-helênica (Νεοελληνικής Λογοτεχνίας)
Esse período é dividido em dois: 1) de 1880 a 1922, a Nova Escola de Atenas (Νέα Αθηναϊκή Σχολή) e a etografia (ηθογραφία); e 2) a Poesia até 1930 (ποίηση μέχρι το 1930).
1930-1945
Geração de 1930 (η Γενιά του Τριάντα)
1945-1967
Literatura Neo-helênica do Pós-guerra (η μεταπολεμική Νεοελληνική Λογοτεχνία)
1967...
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Referências

ATHANASOPOULOS, Evangelo (ΑΘΑΝΑΣΟΠΟΥΛΟΣ, Ευάγγελος); KOKKINAKI, Irene (ΚΟΚΚΙΝΑΚΗ, Ειρήνη); BISTA, Polixêni (ΜΠΙΣΤΑ, Πολυξένη). Ιστορία της Νεοελληνικής Λογοτεχνίας: Αʹ, Βʹ, Γʹ Γυμνασίου. Αθήνα: Εκδόσεις Πατάκη, 2013.

BENNETT, Roy. Uma breve história da música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.

CARPEAUX, Otto Maria. O livro de ouro da história da música. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

CARTER, Ronald, and McRAE, John. The penguin Guide to Literature in English: Britain and Ireland. Harlow: Pearson Education, 2001.

GUARINELLO, Norberto Luiz. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2014.

JULAUD, Jean-Joseph. La littérature française pour les nuls. Paris: Wiley Publishing, 2005.



Buenos Aires: Facultad de Filosofía y Letras

  Fazia parte dos planos de passeios por Buenos Aires visitarmos uma universidade, mais especificamente, um curso de Letras. Isso porque sem...