quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Versificação

Os versos latinos são muito numerosos, abaixo temos apenas alguns deles — talvez os mais relevantes para o entendimento da metrificação em língua portuguesa. Há, no entanto, condições para que o poema ocorra! Como afirma Vasconcellos (2016, p. 151),

Ser poeta elegíaco (e seu leitor) é ser um jovem que está amando. Como já se disse, na primeira elegia dos Amores, Ovídio brinca paradoxalmente com esse dado genérico: o poeta é levado a fazer elegia contra a sua vontade, depois que um maroto Cupido roubou um pé de hexámetro; assim, antes de começar a amar, primeiro se tem a forma métrica do gênero que prevê a temática amorosa. Porém para escrever elegia é preciso, necessariamente, amar, e Cupido se encarrega disso [...]. Portanto, para escrever elegia, é preciso: forma métrica, certo tema (sentimento amoroso) e um objeto de canto amoroso, a “matéria”, palavra ambígua, ao mesmo tempo tema poético e objeto amoroso:

Nec mihi matéria est numeris leuioribus apta,
aut puer aut longas compta puella comas (I, VV. 19-20)
Nem tenho matéria adequada ao ritmo:
Um garoto ou uma garota de longos cabelos bem penteados.


Pés Métricos
braquia (grego βραχύς, curto, pequeno, breve) s.f. Sinal gráfico [ ⌣ ] que, colocado sobre uma vogal, indica que ela é breve.

macro (grego μακρός, grande, longo) s.m. Sinal gráfico [ — ] que, colocado sobre uma vogal, indica que ela é longa.


Duas Sílabas
Troqueu | — ⌣ |
Iâmbico | ⌣ — |
Espondeu | — — |

Três Sílabas
Dáctilo | — ⌣ ⌣ |
Anapesto | ⌣ ⌣ — |
Tríbraco | ⌣ ⌣ ⌣ |

Quatro Sílabas
Coriambo | — ⌣ ⌣ — |

Diérese e cesura
Tanto a diérese quanto a cesura são pausas, no entanto a cesura ocorre no interior do pé métrico e a diérese no final. As duas são indicadas por barra dupla.

Metrificação
Tomando o exemplo de esquema rítmico de Goldstein (1985, p. 14) o esquema rítmico do verso “sinto o que esperdicei na juventude”, do poema Remorso, de Olavo Bilac, pode ser escandido da seguinte forma:

(1) Sin|(2) to o|(3) que es|(4) per|(5) di|(6) CEI|(7) na|(8) ju|(9) ven|(10) TU(de)

O Esquema rítmico (métrico) será resumido como E.R. 10(6-10), ou seja, um verso de dez sílabas poéticas, indicado antes dos parênteses, acentuadas nas sílabas seis e dez, como indicado no interior dos parênteses.


Verso hexâmetro

Verso de seis pés, dos quais os quatro primeiros podem ser dáctilos ou espondeus, o quinto é dáctilo, e o sexto, espondeu ou troqueu.
— ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ 

Para que o hexâmetro tenha mais efeito rítmico, pode haver cesura depois da primeira sílaba do terceiro pé ou depois da primeira sílaba do segundo e quarto pé.
— ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — || ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣
— ⌣ ⌣ | — || ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — || ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣


Verso pentâmetro

O pentâmetro consiste em duas partes de dois pés e meio cada. Composta, a primeira parte, de dáctilos ou de espondeus e uma sílaba longa, e, separado pela diérese (não cesura, pois ocorre no final da unidade métrica, não no interior), a segunda parte, composta de dois dáctilos e uma sílaba longa ou breve. 
— ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — || — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | ⌣ 

Sempre vem depois de um hexâmetro, com o qual forma um dístico elegíaco.
É exemplo de dístico elegíaco o poema Odi et amo, de Catulo:

Od(i) et a | mo qua | r(e) id || faci | am, for | tasse re | quiris
nescio | sed fie | ri || senti(o) et | excruci | or
Odeio e amo. Possivelmente você me pergunte por quê.
Ignoro, mas assim sinto – e sofro.


Verso hendecassílabo

O hendecassílabo é um verso de onze sílabas, um tanto raro. Quando há cesura, esta ocorre na quinta sílaba, mas essa posição não é fixa.
⌣ — |— ⌣ ⌣ |— ⌣ |— ⌣ |— ⌣


Estrofe alcaica

Verso criado pelo poeta grego Alceo (629-580 a. C.) e introduzida na tradição latina por Horácio (65-8 a. C.). A estrofe alcaica é constituída de quatro versos com três metros diferentes, as primeiras duas apresentam o seguinte padrão:
— | — ⌣ | — — || — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣

O terceiro verso, que também começa com uma sílaba longa, apresenta o seguinte padrão:
— | — ⌣ | — — | — ⌣ | — ⌣

O quarto verso:
— ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣| — ⌣ |— ⌣

Nem o terceiro nem o quarto verso apresentam cesura ou diérese.


Estrofe sáfica

O termo sáfico deve-se à poetisa grega Safo (a Musa de Miltilene, viveu provavelmente no século VII a. C., contemporânea de Alceo). A estrofe sáfica consiste em quatro versos de dois metros diferentes, os três primeiros apresentam o seguinte padrão:
— ⌣ | — — | — ⌣ ⌣| — ⌣ | — ⌣

É possível uma cesura na quinta sílaba desses versos:
— ⌣ | — — | — || ⌣ ⌣| — ⌣ | — ⌣

O quarto verso, sem cesura ou diérese apresenta o seguinte padrão:
— ⌣ ⌣ | — ⌣

Na tradição poética brasileira ou de língua portuguesa, os versos sáficos são os de dez sílabas, com acento na quarta, oitava e décima E.R. 10 (4-8-10). Junto ao decassílabo heróico E.R. 10 (6-10) compõe os versos preferidos dos poetas do Classicismo, incluindo Luís de Camões.


Primeiro arquilóquio

Verso empregado por Horácio. É um dístico que consiste em um hexâmetro e em um verso menor (arquilóquio menor).
— ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | — ⌣
— ⌣ ⌣ | — ⌣ ⌣ | ⌣


Trocaico septenário (tetrâmetro cataléctico)

Verso composto de sete troqueus (— ⌣) com a adição de uma sílaba extra no final. Há uma diérese após o quarto pé e os troqueus nos pés pares podem ser trocados por espondeus. Seu padrão é o seguinte:
— ⌣ | — ⌣ | — ⌣ | — ⌣ || — ⌣ | — ⌣ | — ⌣ | ⌣


Cenário Iâmbico

O cenário iâmbico é o metro utilizado em diálogos de dramas ― Plauto e Terêncio, por exemplo. A cesura está, normalmente, no terceiro pé.
⌣ — | ⌣ — | ⌣ || — | ⌣ — | ⌣ — | ⌣ ⌣

São possíveis muitas variações nos primeiros, que podem ser:
⌣ ⌣ ⌣ ou — — ou — ⌣ ou — ⌣ ⌣ ou ⌣ ⌣ — ou ⌣ ⌣ ⌣ ⌣.


Iâmbico octonário

O iâmbico octonário aparecem em Terêncio e seu padrão é o seguinte:
⌣ — | ⌣ — | ⌣ — | ⌣ — | ⌣ || — | ⌣ — | ⌣ — | ⌣ ⌣

A cesura pode aparecer no quinto pé. Também podem acontecer as mesmas variações do cenário iâmbico.


Iâmbico de pé quebrado

O iâmbico de pé quebrado é o cenário iâmbico com o sexto pé troqueu ou espondeu:
⌣ — | ⌣ — | ⌣ || — | ⌣ — | ⌣ — | — ⌣


Verso asclepiadeu

Os versos a seguir consistem em um número de pés coriambos ( —⌣ ⌣ — ) precedidos de um espondeu ( — — ) e seguidos de um iâmbico ( ⌣ — ). Como a segunda sílaba do iâmbico é a última, o pé final pode resultar ⌣ ⌣ . Cada pé coriambo, exceto o último, é seguido de uma diérese.

A.
Um coriambo (sem diérese)
— — | — ⌣ ⌣ — | ⌣ ⌣

B.
Dois coriambos (o primeiro é seguido de uma diérese)
— — | — ⌣ ⌣ — || — ⌣ ⌣ — | ⌣ ⌣

C.
Três coriambos (o primeiro e o segundo são seguidos de diérese)
— — | — ⌣ ⌣ — || — ⌣ ⌣ — || — ⌣ ⌣ — | ⌣ ⌣


Vocabulário
Verso acataléctico: verso grego ou latino a que não falta nem sobra nenhuma sílaba.

Verso acéfalo: verso hexâmetro cuja sílaba inicial é breve.

Verso agudo: o que termina em palavra oxítona ou sílaba tônica.

Verso anacíclico: o que se pode ler da esquerda para a direita e vice-versa sem sofrer alteração.

Verso cataléctico: verso grego ou latino terminado por um pé incompleto.

Verso de pé quebrado: verso errado ou mal feito.

Verso dicataléctico: versos a que faltam duas sílabas, no meio e no fim.

Verso ecóico: versos cujas duas últimas palavras findam em vogal idêntica.

Verso hipercataléctico: Verso grego ou latino que tem uma sílaba de mais; hipercatalecto.

Verso métrico: o verso em que as palavras são escolhidas conforme a quantidade longa ou breve de suas sílabas.

Verso palíndromo: O que tem o mesmo sentido, leia-se da esquerda para a direita ou vice-versa.

Verso ropálico: verso grego ou latino que começa por monossílabo, tendo cada uma das palavras seguintes uma sílaba mais longa que a da palavra anterior.

Verso silábico: aquele que perfaz determinado número de sílabas.

Verso sotádico: verso greco ou romano que tanto se pode ler da esquerda para a direita, quanto da direita para a esquerda, ou invertendo a ordem das palavras.

Verso tetrarritmo: o que se compõe de quatro medidas.

Versos brancos: versos não rimados; versos soltos.


Referências
BETTS, Gavin; FRANKLIN, Daniel. Beginning Latin poetry reader. New York: McGraw-Hill, 2007.

GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons, ritmos. São Paulo: Ática, 1985.

VASCONCELLOS, Paulo Sérgio. Persona Poética e autor empírico na poesia amorosa romana. São Paulo: Editora Unifesp, 2016.


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