sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Babel


É claro que escrevi esse texto muito antes de ter cursado Letras. Namorei algumas letreiras antes de ter iniciado o curso e esse poema foi para uma delas, uma das mais chatas. Ela leu o texto, não se reconheceu nele (óbvio, pois nos reconhecemos mais facilmente em imagens positivas, por exemplo: conhece algum leitor de Nietzsche que não se identifique com o espírito livre?).

Não precisei modificar o texto, está como fora escrito em 2003.




Intelectual de letras exatas
Pura de forma linear
Sem peito e sem bunda
Reta perfeita
Quase matemática

    Esteta de verbos dicionário
Esperando ação:

Verbos
─ Beijar
─ Amar
─ Gozar
        Quejandos afora

Lentes grossas em aros redondos
    Círculos perfeitos
Quase matemáticos

(Ela se move
    Educadamente
Mais que isso:
    Adestradamente)


!
Eu, bárbaro
    Barbaricamente seduzindo
Também deixei-me seduzir

Ela sorria
    Sem sal nem açúcar
Eu sorria
    Tatibitate

Um pouco mais adiante
Quis flexionar verbos
    Dobrá-los


Ela ofereceu martelos
Ferramentas perfeitas

─ Beijamos
─ Amamos
─ Gozamos
        Quejandos afora

Depois falamos outras línguas
    Até não nos entendermos mais



sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Outra rota

Desse texto, escrito em 2011, só mudei o título! Títulos de romances ou poemas nem sempre refletem o conteúdo do texto, tanto é assim que livros de poesia têm o índice de primeiros versos, que, no final das contas, é um título alternativo.


não aconteceu de propósito
o mundo que se pôs do contrário
fez baixar a cabeça
olhar o surrado tênis
fez buscar outro lugar
seguir em frente
para qualquer frente

contramão também é direção
e não porque se vai como quem volta
o caminho é lento
sim porque o velho preço é dobrado
os credores multiplicados
toda sinalização falta

contramão é a direção que restou
para recomeçar
ou para ser errante
como esses que por vontade
senão falta de uso
esquecem o nome
não pertencem à coisa alguma


não se deixam prender

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Humano

Minha intenção ao escrever era conseguir algo que se tornasse música em algum momento. Para meu desespero, fiz parceria com alguns compositores e compositoras que musicavam qualquer coisa ─ musicavam no sistema “se pode ser dito, pode ser cantado”. Eu, por outro lado, fazia músicas instrumentais e produzia textos, mas nunca juntava as duas coisas. Sentia-me quase um mestre Romão Pires, da Cantiga de esponsais, de Machado de Assis!


O texto abaixo, de 1999, é uma de minhas experiências poéticas, exercício para letra de música. Não é dos piores...



Carinho

Compreensão

Amizade

ainda que gratuitos

(Tem gente que não consegue)



Esse olha ríspido

Nossa pressa sem razão

— A mágoa não mata nem sara



Dizem que é assim mesmo

!



E  o  v e n t o  l e v a  a  p a l a v r a



Um dia excluso

— Dois em solitude



O tempo ensina a rotina

Sempre — há mais a perder



Mas tem gente que não consegue



quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Tradução comentada: Don’t cry for me, Argentina

Don’t cry for me, Argentina, música de Andrew Lloyd Webber e letra de Tim Rice. Essa música não é nova, faz parte da opera Evita, de 1978, e apresenta algumas expressões inglesas já em desuso em 1996, quando regravada pela Madonna.

Em uma audição cuidadosa, percebi que a tradução de “cry” pela primeira acepção da palavra não é a mais adequada. A palavra “cry” pode ser traduzida por chorar, mas também por chamar ou clamar, como na música “Cry for help”, de Rick Astley (All that I need is to cry for help/Somebody please hear me cry for help/All I can do is cry for help.). Bem, foi esse entendimento que motivou o presente trabalho de tradução.

Nos comentários, frequentemente dou o sentido literal da tradução. O sentido literal presta-se à construção de vocabulário de língua inglesa necessária aos estudantes desse idioma, mas de modo algum a tradução literal é a mais correta; por exemplo, a tradução literal de “how old are you?” seria “quão velho é você?”, tradução que permite identificar cada termo da sentença, no entanto, em português não é assim que se pergunta a idade de alguém!

1.

It won’t be easy; you’ll think it’s strange
When I try to explain how I feel,
That I still need your love
After all that I’ve done.


Não será fácil, você vai achar estranho

Que eu tente explicar como me sinto,

Que ainda precise de seu amor

Depois de tudo o que tenho feito.

A conjunção “when” em uma de suas acepções admite ser traduzida por “apesar de; embora”. A tradução literal seria “quando eu tento explicar como eu me sinto”, tradução que parece não satisfazer o sentido do verso.

2.

You won’t believe me
All you will see is a girl you once knew
Although she’s dressed up to the nines
At sixes and sevens with you.


Você não vai acreditar em mim

Tudo que você verá é a mocinha que você conheceu

Embora vestida divinamente

Para o que der e vier com você.

A expressão “although she’s dressed up to the nines”, soma “dress (oneself) up”, expressão que significa vestir-se de modo formal, para uma noite de gala, por exemplo; com a expressão “dressed to the nines”, que significa vestir-se com estilo, também em roupas formais – expressão equivalente a “dressed to kill”. Já a expressão “sixes and sevens” significa algo confuso, mal organizado ou ainda algo de difícil solução.

3.

I had to let it happen, I had to change;
Couldn’t stay all my life down at heel:
Looking out of the window,
Staying out of the sun.


Tive que deixar acontecer, tive que mudar;

Não poderia continuar toda minha vida em cima do salto:

A olhar pela janela

A vida que passa lá fora.

Literalmente, os versos “looking out of the window, staying out of the sun” seriam traduzidos como “olhando pela janela, parada longe do sol”.

4.

So I chose freedom
Running around, trying everything new
But nothing impressed me at all
I never expected it to.


Então escolhi a liberdade

Flertando aqui e ali, experimentando toda novidade

Sendo que nada realmente me impressionasse

Nem cheguei a desejar que impressionasse.


5.

Don’t cry for me Argentina
The truth is I never left you.
All through my wild days, my mad existence,
I kept my promise, don’t keep your distance.


Não chame por mim, Argentina

A verdade é que nunca deixei você.

Mesmo em meus piores dias, em minha existência miserável,

Eu mantive a promessa, não mantenha essa distância.

O verbo “cry” tem o sentido de chamar, como em “cry for help” (peça socorro). Talvez seja tão insistentemente traduzido por chorar, em português, devido ao caráter biográfico da obra, de modo que a música, cantada em primeira pessoa pela personagem Evita, estaria preparando o país para a sua morte iminente. Na verdade a música soa mesmo é como uma propaganda política: “fiquem comigo, votem em mim, pois eu mantive a promessa”, ou, no máximo, em uma leitura de sentido romântico que se preste a exaltar o mito: “não chame por mim, pois sempre estive aqui”.

6.

And as for fortune, and as for fame;
I never invited them in:
Though it seemed to the world
They were all I desired.


Quanto ao sucesso e quanto à fama;

Eu nunca os recebi bem

Embora ao mundo pareça

Que era só o que eu queria.

I never invited them in”, literalmente, “eu nunca os convidei a entrar”.

7.

They are illusions
They’re not the solutions they promised to be,
The answer was here all the time,
I love you, and hope you love me.


São ilusões

Não são as soluções que prometem ser,

A resposta estava aqui o tempo todo,

Eu amo você e espero que você me ame.

8.

Don’t cry for me Argentina
The truth is I never left you.
All through my wild days, my mad existence,
I kept my promise, don’t keep your distance.


Não chame por mim, Argentina

A verdade é que nunca deixei você.

Mesmo em meus piores dias, em minha existência miserável,

Eu mantive a promessa, não mantenha essa distância.

9.

Have I said too much?
There’s nothing more I can think of to say to you
But all you have to do is look at me to know
That every word is true.


Eu falei demais?

Acho que não há mais nada que eu tenha a dizer

Você só precisa olhar para mim para você entender

Que cada palavra é verdadeira.

Esse último verso reforça a ideia de propaganda política defendida nos comentários do verso 5.

Buenos Aires: Facultad de Filosofía y Letras

  Fazia parte dos planos de passeios por Buenos Aires visitarmos uma universidade, mais especificamente, um curso de Letras. Isso porque sem...