De repente, pelo direito de portar armas estamos oferecendo
os direitos trabalhistas, o direito à saúde gratuita, o direito à educação
gratuita, entre outros. Dizem que essa troca acontece para favorecer uma
suposta desoneração do Estado; mas, até agora, nenhum de nossos imposto foi
cancelado e abrir uma empresa no governo Bolsonaro continua tão complicado
quanto era no governo Lula.
Curiosamente, o partido Aliança pelo Brasil, ao contrário do
que o nome diz, não quer alianças; foi criado para possibilitar o exercício da
autoridade de um só homem, para acabar com as tentativas de diálogo e para
promover a indústria armamentista. Já foi percebido que Bolsonaro não preside o
Brasil; ele, na verdade, usufrui do cargo de presidente trabalhando em benefício
próprio e, para ele, nada mais importa além da manutenção desse poder.
Conforme foi divulgado, a escultura de cartuchos é uma obra
do artista Rodrigo Camacho, encomendada pelo deputado Delegado Péricles (PSL). Essa
escultura poderia ser apenas mais um monumento ao mal gosto — como aquelas
réplicas da Estátua da Liberdade em frente às lojas Havan. Contudo, essa não é
apenas uma questão estética, pois faz apologia à violência, autorizando, por
exemplo, o vandalismo do deputado Márcio Tadeu A. Lemos (PSL) na exposição do
Dia da Consciência Negra, na Câmara dos Deputados; ou o do deputado Daniel
Silveira (PSL), durante a campanha, quando quebrou a placa em homenagem a
Marielle Franco. Autoriza também a morbidez do governador Wilson José Witzel
(PSC), que faz questão de acompanhar pessoalmente ações policiais que podem
resultar em morte — não para conter os excessos dos agentes, mas para incentivá-los.
A conta grande do governo Bolsonaro ainda não chegou, mas
vai chegar. Já temos notícias de políticos, artistas e pesquisadores exilados.
Temos notícias de morte de políticos (Marielle Franco), e de políticos ameaçados (Marcelo Freixo). Temos também notícias de morte de inocentes (Ágatha Félix). Ainda
assistimos a uma tentativa de aprovação de um “excludente de ilicitude”, que tem
por fim o uso de força letal contra manifestantes que se juntarem contra o governo.
Apesar disso, a conta grande ainda não chegou, ainda está por chegar. Ela virá na
forma duma ampliação das diferenças sociais, suas consequências e uma grande
dificuldade de reversão do quadro.
Recentemente, li a crônica “É preciso também não perdoar”,
de Clarice Lispector. É uma crônica curtinha na qual ela discute a tolerância
com o agressor e termina dizendo que
“Há uma hora em que se deve esquecer a própria compreensão humana e tomar um partido, mesmo errado, pela vítima, e um partido, mesmo errado, contra o inimigo. E tornar-se primário a ponto de dividir as pessoas em boas e más. A hora da sobrevivência é aquela em que a crueldade de quem é a vítima é permitida, a crueldade e a revolta. E não compreender os outros é que é certo” (Todas as crônicas, p. 148).
Já se percebe que estamos em guerra. O radicalismo político
de agora é intransponível. O inimigo já apresentou as armas, está em marcha
acelerada e muito disposto a matar. Sem metáfora e sem simbolismo: morte
simples e concreta. É preciso iniciar uma reação imediatamente.