Diante do caráter utilitário das novas políticas ou diretrizes educacionais, acabei por iniciar minha mais recente aula no Cursinho Popular Carolina Maria de Jesus fazendo a seguinte pergunta aos alunos “Pra que a gente serve nesse mundo?”. É uma pergunta séria, de fundo filosófico e seria totalmente adequada ao viés utilitário da diretriz educacional bolsolóide, não fosse meu posicionamento contrário a essa diretriz.
Como trabalho com adolescentes, já era de se esperar que alguém respondesse, entre risinhos de colegas, “pra nada”. Foi exatamente o que aconteceu; mas não devia ser uma resposta para causar riso, pois a resposta “séria” que eu queria era essa mesmo! Expliquei para os alunos que, na verdade, só os objetos servem — a mesa serve, a cadeira serve... Pessoas não servem! Nós não servimos para nada! Nós existimos e nossa existência tem de estar acima desse “servilismo”!
A maioria de nós, em algum momento da vida, teve ou tem de se submeter a uma rotina estressante na qual o despertador nos tira do melhor do sono para exercermos uma atividade muito útil e repetitiva até às cinco ou seis horas da tarde. A recompensa por esse serviço em que servimos para alguma coisa será um salário. Se o salário for bom, ele nos possibilitará a experiência de alguns prazeres que também não servem para nada, como, por exemplo, uma viagem, um jantar com amigos, um show de rock, uma noite no teatro... — coisas inúteis, mas que, justamente por serem inúteis, tornam nossa existência suportável.
As Ciências Humanas, especialmente a Filosofia e a Sociologia, pensam, analisam, criticam, entre outras coisas, essa “utilidade” dos seres humanos. Uma das constatações a que se chega é também uma pergunta: “A quem somos úteis?”; “Quem lucra com o sacrifício do meu tempo de vida dedicado ao trabalho?”, em resumo, “Com quem fica o dinheiro do meu trabalho?” Vale a pena lembrar que, nesse exato momento, está sendo discuta a reformar da Previdência — políticos estão decidindo o quanto o trabalho deve valer para o trabalhador ou, mais precisamente, o quanto é possível lucrar com o trabalho do trabalhador. Curiosamente, o trabalhador não é convidado a participar da discussão!
Claro que essa não é a primeira vez que o Governo Federal retira recursos financeiros da Educação. A diferença é que, até agora, quando acontecia, ficava com a universidade a escolha de a quais cursos distribuir os cortes (tradicionalmente, os cortes acontecem na área de Humanas mesmo!). Dessa vez, o corte foi direcionado: Filosofia e Sociologia. Coincidentemente, esse corte acontece na mesma semana em que uma propaganda televisiva desagradou o presidente por mostrar diversidade.
Militares golpistas diziam preferir o cheiro de cavalos ao cheiro do povo. É com esse espírito elitista que o governo trabalha para aumentar ao máximo, em curtíssimo prazo, o lucro do empresariado às custas do trabalhador. Do mesmo modo, nota-se um esforço para desarticular os instrumentos sociais que permitem uma crítica aos abusos das classes dominantes. Quando o trabalho estiver feito, a parcela pobre da sociedade estará numa situação deplorável e a mobilidade social será muito mais complicada.