domingo, 28 de abril de 2019

Uma Questão Filosófica


Diante do caráter utilitário das novas políticas ou diretrizes educacionais, acabei por iniciar minha mais recente aula no Cursinho Popular Carolina Maria de Jesus fazendo a seguinte pergunta aos alunos “Pra que a gente serve nesse mundo?”. É uma pergunta séria, de fundo filosófico e seria totalmente adequada ao viés utilitário da diretriz educacional bolsolóide, não fosse meu posicionamento contrário a essa diretriz. 

Como trabalho com adolescentes, já era de se esperar que alguém respondesse, entre risinhos de colegas, “pra nada”. Foi exatamente o que aconteceu; mas não devia ser uma resposta para causar riso, pois a resposta “séria” que eu queria era essa mesmo! Expliquei para os alunos que, na verdade, só os objetos servem — a mesa serve, a cadeira serve... Pessoas não servem! Nós não servimos para nada! Nós existimos e nossa existência tem de estar acima desse “servilismo”! 

A maioria de nós, em algum momento da vida, teve ou tem de se submeter a uma rotina estressante na qual o despertador nos tira do melhor do sono para exercermos uma atividade muito útil e repetitiva até às cinco ou seis horas da tarde. A recompensa por esse serviço em que servimos para alguma coisa será um salário. Se o salário for bom, ele nos possibilitará a experiência de alguns prazeres que também não servem para nada, como, por exemplo, uma viagem, um jantar com amigos, um show de rock, uma noite no teatro... — coisas inúteis, mas que, justamente por serem inúteis, tornam nossa existência suportável. 

As Ciências Humanas, especialmente a Filosofia e a Sociologia, pensam, analisam, criticam, entre outras coisas, essa “utilidade” dos seres humanos. Uma das constatações a que se chega é também uma pergunta: “A quem somos úteis?”; “Quem lucra com o sacrifício do meu tempo de vida dedicado ao trabalho?”, em resumo, “Com quem fica o dinheiro do meu trabalho?” Vale a pena lembrar que, nesse exato momento, está sendo discuta a reformar da Previdência — políticos estão decidindo o quanto o trabalho deve valer para o trabalhador ou, mais precisamente, o quanto é possível lucrar com o trabalho do trabalhador. Curiosamente, o trabalhador não é convidado a participar da discussão! 

Claro que essa não é a primeira vez que o Governo Federal retira recursos financeiros da Educação. A diferença é que, até agora, quando acontecia, ficava com a universidade a escolha de a quais cursos distribuir os cortes (tradicionalmente, os cortes acontecem na área de Humanas mesmo!). Dessa vez, o corte foi direcionado: Filosofia e Sociologia. Coincidentemente, esse corte acontece na mesma semana em que uma propaganda televisiva desagradou o presidente por mostrar diversidade. 

Militares golpistas diziam preferir o cheiro de cavalos ao cheiro do povo. É com esse espírito elitista que o governo trabalha para aumentar ao máximo, em curtíssimo prazo, o lucro do empresariado às custas do trabalhador. Do mesmo modo, nota-se um esforço para desarticular os instrumentos sociais que permitem uma crítica aos abusos das classes dominantes. Quando o trabalho estiver feito, a parcela pobre da sociedade estará numa situação deplorável e a mobilidade social será muito mais complicada. 


Buenos Aires: Facultad de Filosofía y Letras

  Fazia parte dos planos de passeios por Buenos Aires visitarmos uma universidade, mais especificamente, um curso de Letras. Isso porque sem...