Esse conto ou anedota, acho que fica melhor como anedota, realmente foi escrito em 1998, data mencionada no texto. Aconteceu de fato e, para apresentá-lo aqui, na forma de ficção, bastou-me a mudança do nome de algumas das personagens, não de todas, apenas o daquelas que impedem a localização dos envolvidos! Gostei de rememorar...
Ele estava dormindo preguiçosamente na tarde de quarta-feira
quando, de repente, foi acordado pelo telefonema dela, da Patrícia, que ligava
para dizer “olá”. Disse que talvez passasse pelo bar onde ele estava tocando.
Essa história já tem alguns anos. Na verdade são vinte anos,
o que nos leva a 1998 e, tenho certeza, se fosse recente não poderia ser
contada! A Patrícia era o diabo em pele de mulher e maltratou aquele português
o quanto pôde. Gonçalo, um português que se tornou um grande amigo meu, não
tinha nenhum atrativo que o destacasse dentre os demais homens, exceto ser
português em terras brasileiras e ser muito boa gente! Caiu nas mãos da
Patrícia, apaixonou-se, logo foi rejeitado, trocado por um sujeito tão sem sal
nem açúcar... A Patrícia entendeu cedo que a troca fora desvantajosa e por isso
não largou o Gonçalo completamente. Ela telefonava, visitava, até namorava, mas
nunca desfez o negócio. Não preciso dizer que o Gonçalo sofria com isso.
A Patrícia tinha alguns amantes e meu amigo apenas fazia número
entre eles. A história já estava ficando cansativa e o Gonçalo estava decidido
a encerrar o assunto, ainda que sofresse demais. Não queria rever a Patrícia,
por isso a ideia de tê-la no bar onde estaria tocando não o agradou em nada.
─ O bar onde estou tocando… Cheguei ao bar, a televisão
estava ligada. Isso é muito desestimulante. Televisão ligada, mesas vazias, o
mesmo repertório de sempre: tudo maçante, o Gonçalo contava. É claro que ele, depois do telefonema, passou a noite a esperá-la ou ao menos a precaver-se dela de todas as formas
possíveis.
Eu também fui ao bar e logo o Marco apareceu, músico de uma
banda de blues. Depois chegou o João, baixista freelance que toca todo tipo de
repertório. Éramos todos amigos e naquela noite éramos também a plateia do
Gonçalo, pois o bar estava praticamente vazio. No entanto, não fui muito
colaborativo com meu amigo; tomei algumas cervejas e logo abandonei a cena.
─ Assim que você saiu ela chegou, contou-me o Gonçalo. Não
vinha sozinha, chegava de mãos dadas com um rapaz aparentando ter de vinte a
vinte e três anos. Confesso que quase chorei, mas contive-me e fingi
indiferença. Ela cumprimentou-me com o olhar e sentou-se com seu mancebo em uma
mesa distante.
Para ele o acontecimento poderia ser o tema de um fado, para
mim o caso era divertido e eu quase ria! Então ele continuou:
─ Pouco depois chegou ao bar nosso conhecido Pierre, que
ficou de papo com o João. Ótimo para mim, que no intervalo não precisaria conversar
com a Patrícia, ficaria na mesa dos amigos.
Voltei a tocar e, quando olhei para a mesa, ela estava aos
beijos e abraços com o mancebo. Odiei-a, era provocação demais! Quis chutar
aquela bunda magra para fora do bar e de lá chutá-la de volta para a casa dela.
Contive-me e concentrei-me na música que estava tocando.
Eu havia pensado em levar a Carina ao bar exatamente para
provocá-la. Ela antecipou-me, daí senti a dor que desejei a ela. Desgraçada!
Sabe o que eu descobri? Descobri que desejo a Carina apenas para esquecer ou provocar a Patrícia.
O Gonçalo continuou o relato, dizia que foi a Patrícia quem
o fez viver os poemas das músicas que ele cantava. Que foi a primeira a fazer
com que se sentisse amado. Ainda não contei, mas éramos todos músicos,
inclusive a Patrícia e o novo namorado dela, a Carina e, provavelmente, também
o “mancebo” que a Patrícia beijava no bar. Nossos encontros eram quase
inevitáveis!
─ Descobri que ainda a amo, confessou o Gonçalo com os olhos
cheios d’água. Tive de fazer um intervalo e, para provar alguma falsa
indiferença, continuou ele, fui até a mesa cumprimentá-la. Para minha surpresa
e espanto não era a Patrícia, apenas uma imitação tão despenteada quanto a
original. Na verdade, a Patrícia nem ao menos passou pelo bar, isso aliviou-me
o coração.
Quando ele disse que não era a Patrícia, eu quase disse a ele
que uma história dessas, aqui no Brasil, só poderia mesmo ser de português! Não
contive o riso, mas ele continuava muito sério:
─ Não apresentarei a Carina à Patrícia, pois uma mulher que
amei com tanta intensidade não merece viver a dor que acreditei estar experimentando
noite passada. Simplesmente a deixarei sair de minha vida e com isso espero
fazer-me inteiro para a Carina ou Valéria ou Andreia ou qualquer outra paixão
que vier a encontrar.
Assim que o Gonçalo deixou-me dei início a escrita dessa
anedota e depois a copiei em meu caderno de poesias e letras de músicas. Dizem
que todo homem tem de viver ao menos uma experiência amorosa de muita dor, pois a experiência
do Gonçalo foi com a Patrícia. Ainda não tínhamos trinta anos e sonhávamos
muito..., ainda que sem nenhum dinheiro no bolso e a desconfortável sensação de
que a vida é patética, sonhávamos demais.