quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Adeus Patrícia

Esse conto ou anedota, acho que fica melhor como anedota, realmente foi escrito em 1998, data mencionada no texto. Aconteceu de fato e, para apresentá-lo aqui, na forma de ficção, bastou-me a mudança do nome de algumas das personagens, não de todas, apenas o daquelas que impedem a localização dos envolvidos! Gostei de rememorar...


Ele estava dormindo preguiçosamente na tarde de quarta-feira quando, de repente, foi acordado pelo telefonema dela, da Patrícia, que ligava para dizer “olá”. Disse que talvez passasse pelo bar onde ele estava tocando.

Essa história já tem alguns anos. Na verdade são vinte anos, o que nos leva a 1998 e, tenho certeza, se fosse recente não poderia ser contada! A Patrícia era o diabo em pele de mulher e maltratou aquele português o quanto pôde. Gonçalo, um português que se tornou um grande amigo meu, não tinha nenhum atrativo que o destacasse dentre os demais homens, exceto ser português em terras brasileiras e ser muito boa gente! Caiu nas mãos da Patrícia, apaixonou-se, logo foi rejeitado, trocado por um sujeito tão sem sal nem açúcar... A Patrícia entendeu cedo que a troca fora desvantajosa e por isso não largou o Gonçalo completamente. Ela telefonava, visitava, até namorava, mas nunca desfez o negócio. Não preciso dizer que o Gonçalo sofria com isso.

A Patrícia tinha alguns amantes e meu amigo apenas fazia número entre eles. A história já estava ficando cansativa e o Gonçalo estava decidido a encerrar o assunto, ainda que sofresse demais. Não queria rever a Patrícia, por isso a ideia de tê-la no bar onde estaria tocando não o agradou em nada.

─ O bar onde estou tocando… Cheguei ao bar, a televisão estava ligada. Isso é muito desestimulante. Televisão ligada, mesas vazias, o mesmo repertório de sempre: tudo maçante, o Gonçalo contava. É claro que ele, depois do telefonema, passou a noite a esperá-la ou ao menos a precaver-se dela de todas as formas possíveis.

Eu também fui ao bar e logo o Marco apareceu, músico de uma banda de blues. Depois chegou o João, baixista freelance que toca todo tipo de repertório. Éramos todos amigos e naquela noite éramos também a plateia do Gonçalo, pois o bar estava praticamente vazio. No entanto, não fui muito colaborativo com meu amigo; tomei algumas cervejas e logo abandonei a cena.

─ Assim que você saiu ela chegou, contou-me o Gonçalo. Não vinha sozinha, chegava de mãos dadas com um rapaz aparentando ter de vinte a vinte e três anos. Confesso que quase chorei, mas contive-me e fingi indiferença. Ela cumprimentou-me com o olhar e sentou-se com seu mancebo em uma mesa distante.

Para ele o acontecimento poderia ser o tema de um fado, para mim o caso era divertido e eu quase ria! Então ele continuou:

─ Pouco depois chegou ao bar nosso conhecido Pierre, que ficou de papo com o João. Ótimo para mim, que no intervalo não precisaria conversar com a Patrícia, ficaria na mesa dos amigos.

Voltei a tocar e, quando olhei para a mesa, ela estava aos beijos e abraços com o mancebo. Odiei-a, era provocação demais! Quis chutar aquela bunda magra para fora do bar e de lá chutá-la de volta para a casa dela. Contive-me e concentrei-me na música que estava tocando.

Eu havia pensado em levar a Carina ao bar exatamente para provocá-la. Ela antecipou-me, daí senti a dor que desejei a ela. Desgraçada! Sabe o que eu descobri? Descobri que desejo a Carina apenas para esquecer ou provocar a Patrícia.

O Gonçalo continuou o relato, dizia que foi a Patrícia quem o fez viver os poemas das músicas que ele cantava. Que foi a primeira a fazer com que se sentisse amado. Ainda não contei, mas éramos todos músicos, inclusive a Patrícia e o novo namorado dela, a Carina e, provavelmente, também o “mancebo” que a Patrícia beijava no bar. Nossos encontros eram quase inevitáveis!

─ Descobri que ainda a amo, confessou o Gonçalo com os olhos cheios d’água. Tive de fazer um intervalo e, para provar alguma falsa indiferença, continuou ele, fui até a mesa cumprimentá-la. Para minha surpresa e espanto não era a Patrícia, apenas uma imitação tão despenteada quanto a original. Na verdade, a Patrícia nem ao menos passou pelo bar, isso aliviou-me o coração.

Quando ele disse que não era a Patrícia, eu quase disse a ele que uma história dessas, aqui no Brasil, só poderia mesmo ser de português! Não contive o riso, mas ele continuava muito sério:

─ Não apresentarei a Carina à Patrícia, pois uma mulher que amei com tanta intensidade não merece viver a dor que acreditei estar experimentando noite passada. Simplesmente a deixarei sair de minha vida e com isso espero fazer-me inteiro para a Carina ou Valéria ou Andreia ou qualquer outra paixão que vier a encontrar.


Assim que o Gonçalo deixou-me dei início a escrita dessa anedota e depois a copiei em meu caderno de poesias e letras de músicas. Dizem que todo homem tem de viver ao menos uma experiência amorosa de muita dor, pois a experiência do Gonçalo foi com a Patrícia. Ainda não tínhamos trinta anos e sonhávamos muito..., ainda que sem nenhum dinheiro no bolso e a desconfortável sensação de que a vida é patética, sonhávamos demais.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Temporal

Esse poema, de 2001, não precisou ser refeito. Bastou-me revirar as páginas ─ na verdade já estava digitalizado, então o que fiz foi um serviço de cópia e cola. Um trabalho mais de bricolagem, como dizem os franceses, do que de escrita!

O texto descreve um dia de chuva em uma época em que eu tomava muita chuva...




De repente

As nuvens altas e claras

Jogam suas águas pro ar

Desprevenidos cá na terra

Procuram abrigo

Como se houvesse guerra




Soa o grito das mães


Lojas baixam suas portas


O que era pra daqui a pouco


Se resolverá amanhã


Somente amanhã



Numa breve trégua

O vapor se ergue do asfalto



Então

No vento forte

Nuvens baixas e negras

Cobrem toda cidade



Logo

Fugindo

Se vão todos


Espavoridos


Ultrajados

Sob a chuva


sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Para aprender as moda

Em 1998 eu tocava guitarra e tinha muito interesse pela música norte-americana, especialmente o blues. Curioso é que alguns dos professores que tive eram, e ainda são, violeiros que contam histórias do universo da viola caipira. É muito curioso como essas histórias são semelhantes na cultura brasileira e estadunidense, muito do que é folclore por aqui, mutatis mutandis, também acontece por lá. (Mais tarde, bem mais tarde, comecei a estudar grego e descobri que muito da cultura afro-brasileira também está presente na Grécia.) Abaixo está minha versão para o pacto com o diabo.

Originalmente, o título desse conto era O diabo ensina o blues, mas isso foi em 1998, época em que eu era cristão e fazia sentido falar do diabo. Além do título mudei substancialmente o conto, pois num desses dias eu tive conhecimento da entidade Exu Tatá Caveira e, como gostei bastante das histórias que ouvi, ao invés de um pacto com o diabo, preferi falar de um trabalho feito na encruzilhada. Infelizmente ainda não conheço Umbanda e Candomblé o bastante para uma representação fiel, por esse motivo misturo moda de viola, blues, diabo e Tatá Caveira.




Esse é um causo lá dos norte, pois! Não tem por aqui. Será? É história de violeiro das banda de lá. De quem quer tocar essas moda diferente. Quando quer aprender e nunca consegue. Nunca, pois! Mesmo quando pratica todos os dia. Essas moda não se aprende...

O cabra fica frustrado, passa o dia praticando e nada. Tudo o que faz está errado, pois. Ele quer aprender demais. Quer de verdade, mas não consegue não. Tem como aprender não! Daí que tudo nele é angústia, ele pede pro divino das ajuda e implora, pois. Ninguém ajuda nada. É aí que ele apela, pois! Porque tem um diabo que ensina essas moda.

Ele veste preto e veste branco, vai até a encruzilhada levando charuto e cachaça. Pede, mas não acontece nada, pois. Meia noite ele gritas os Caveira, depois xinga os Caveira. Desanima, pois... Nada disso não existe não. Falação de povo que não tem o que fazer nem o que comer. Miséria.

É noite, ele vai dormir. Ele deita na cama lá na casa dele e sonha pesadelo dos ruim. Acorda com uma baforada quente e fedorenta bem na cara. Eita, metuendo pânico do cão! Ele acende a luz do quarto, mas não vê nada. Pesadelo que é, pois... Volta a dormir e tem outro pesadelo igualzinho. Ele não consegue atinar lembrança do pesadelo, só se lembra do hálito quente e podre. Pânico, pois.

Dessa vez ele não consegue dormir fácil, não. Perde o sono. Vai ler a Bíblia... Eita que o sono pega ele de jeito, mesmo de luz acesa. Aí tem outro pesadelo e não consegue acordar. O fedor quente e podre de enxofre enche o quarto, mas ele não acordar não, pois!

Na manhã seguinte o cheiro está nele, bem na pele. Não adianta banho nem perfume. Amanhece fedendo, pois. Enxofre. Ninguém percebe o cheiro. Esse fedor é coisa só no nariz dele. Ele fica encabulado, cheio de vergonha por causa do fedor, pois. O cheiro vai piorando. Na primeira sexta-feira depois da noite dos pesadelo, ele acorda que é só cansaço. Com dor de cabeça que parece que andou apanhando. O estômago embrulhado que parece que vai vomitar. Ele passa o dia sem conseguir fazer nada, até esquece das moda. Tem ódio de tudo, frustração, pois.

Eita que nessa noite ele sente que vai morrer! Sai de casa com a viola na mão, andando sem rumo. Procura e procura sem saber. Talvez elefante que quer cemitério pra morrer. Que nada, anda até encontrar chão de terra e vai longe nessa estrada, pois. Vai por ela e vai longe. Chega aonde cruza. No lugar onde a noite é mais escura, senta na encruzilhada. Toca as moda. Toca nada. A cabeça dói. Isso é pra lá das onze hora meia-noite do dia de sábado. É quando ele ouve a pergunta no vento:

— Quer sabe as moda? É claro, pois! Só que já foi, não foi? Agora é hora? Que vento que nada, a voz pergunta mais forte:

— Cadê a cachaça? Ele tem a cachaça.

Aí ele ouve que tem que se sentar. Ele se senta. Aí ele ouve que tem que pôr as duas mãos na terra. Ele põe. Então o Caveira aparece de capuz preto. Ele se lembra dos pesadelo. O Caveira começa a pisar as mão dele com casco duro. Ele não consegue tirar as mãos da terra e só ouve os osso estralando. Grita feito um porco. Ouve a risada. Ouve os ossos das mão quebrando. Vê o sangue das mão escorrendo pela terra.

Eita que quando os osso das mão estão quebrado até as unha, é quando o Caveira manda ele tocar as moda. Nessa hora ele pega a viola, mas que tocar que nada. Tudo nele dói... Mas vai parando de doer. As mão vão tomando jeito e ele começa a tocar tudo direitinho, pois.


Devagarinho o cheiro podre do enxofre vai sumindo e antes do dia clarear ele já toca todas as moda que ele queria. Do jeito que ele queria. Fica contente demais, pois! Só alegria! Mais aí é que vem. Todas as moda que ele tocar de hoje pra frente tem que ser pro Caveira. Se um dia, no futuro, ele arrependido não quiser mais o pacto que fez sabe o que acontece? Nesse dia os osso das mão dele vão começar a doer. Vão doer muito. Ele não vai conseguir nem pensar em tocar moda. Médico nenhum vai conseguir ajudar. Até o fim dos dias as mão dele vão ser do Caveira. Eita que no fim até a alma dele será do Caveira, se já não é. Quem quer aprender essas moda?


quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Doença dos hipocôndrios

Esse texto não é dos mais antigos. Escrito no ano 2000, surgiu como uma tentativa de crônica e narrava um medo que eu vinha tendo de ficar doente. A personagem não tinha nome e também não era feminina ─ isso é coisa da reescrita que fiz agora. Acho que personagens com nome têm mais proximidade com o ficcional e a mudança de gênero parece facilitar o distanciamento do real, leva a ficção adiante e a diferencia da crônica.




Eram seis horas da manhã quando ela encarou a si mesma no espelho do banheiro. Notou alguns fios de cabelos brancos e disse baixinho, pronunciando seu nome completo:

─ Lizania Eduarda Fontes, você está ficando velha...

Repetiu o nome mentalmente lembrando de uma época da infância em que não gostava do nome Lizania, nem de Eduarda e era indiferente ao nome Fontes, herança deixada pelo pai.

Logo depois, sentiu doer o dente. Não é bem certo que doeu, na véspera ela quebrara um caroço de azeitona ao comer um pastel e ficou toda preocupada. Foi ao dentista.

Fazia um bom tempo que não ia ao dentista e talvez houvesse bastante cáries ─ coisa que justificaria o hálito estranho que havia percebido há algum tempo.

Não havia cáries. Fora feita apenas a limpeza e a aplicação de flúor. O mau hálito deve ter sido impressão ou talvez o estômago, algo em resposta à má alimentação e ao excesso de café.

Reparou que o intestino não funciona regularmente e, para piorar, a cor da urina não lhe parece normal. Considerou que, se continuar como está, logo terá úlceras no estômago e grandes pedras nos rins.

Foi ao médico certa de estar sendo acometida pela degeneração própria da idade. Mas não havia úlceras nem pedras... como pode ter tanta saúde se sente tanto cansaço com as atividades corriqueiras do dia a dia?

Tem certeza de que o convívio com fumantes lhe deve ter rendido um enfisema pulmonar ou qualquer outro dano causado pelo hábito tabagista alheio.

É uma fumante passiva e pode estar na iminência de um infarto cardíaco! A dor de cabeça, que sente esporadicamente, deve ser consequência de má circulação sanguínea no cérebro.

Afastou-se de amigas e amigos fumantes e procurou um cardiologista. O coração está lindo, disse o médico, mas a dor de cabeça é certamente um tumor, pensou consigo. Um tumor?

A dor não é aguda, contudo, vem notando que também não é esporádica. Tem-na percebido quase todos os dias. Voltou ao consultório perguntando a si mesma se os exames ou o próprio médico são confiáveis.

Um médico tão atencioso e seguro terá realmente tanta competência quanto aparenta? Ficou gripada e teve febre, por esse motivo faltou do trabalho por alguns dias.

O sol brilhou com a mesma intensidade o mês inteiro, pensava. Nada há que justifique uma gripe. Talvez estivesse confundindo os sintomas com os da dengue... Foi ao posto de saúde mais próximo.

Onde pode ter contraído a doença? Não era dengue, apenas gripe. No entanto, tem certeza de que há mais do que gripe. Possivelmente algum mal ainda não conhecido.

Sarou antes de procurar o médico, mas sabe que sobraram sequelas que estarão com ela pelo resto de sua vida. Ou talvez esteja exagerando; talvez esteja ficando louca...

Qual a diferença entre psicologia e psiquiatria? Não soube nem procurou saber, voltou à rotina que tinha antes da dor de dente ─ casa-trabalho, trabalho-casa ─, e reabilitou os amigos fumantes.

Dois meses depois foi atropelada por um ônibus escolar no fim da tarde. Houve alvoroço na esquina. Crianças gritando, trânsito congestionado.

Ela foi acordar em uma cama de hospital e não deixou que médicos a examinassem para procurar fraturas. Levantou-se e foi embora aborrecida.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Romance

Revirando os papéis, uma pequena parte já digitalizada, vou reencontrando meus textos... constato que boa parte da produção, infelizmente, é muito ruim! São textos que, no final das contas, cumpriram a função de exercício de escrita, mas apenas isso. Talvez nem isso, pois para a maior parte deles não há qualquer orientação literária que possa apontar um objetivo a ser alcançado.

O texto abaixo é de 1998. Não o considero um caso perdido! Tentei juntar, em forma de poema, o que se entende por romance, como gênero literário, com o romance amoroso.



Acento e ponto final
A palavra fica escrita:
─ não.
Resta o rancor
Na espera do som

Tenta novamente...
Com sinais de exclamação:
─ por favor!
Pouco adianta
O som chega e revolta

Então sublinha ou abre aspas
Diz com a máxima expressão:
─ Eu amo você!
Mas, no desânimo,
Quase desiste

Na última chance
Reticente
Faz a chantagem:
(lágrimas)
Pertinências...
Não sabe se vale

Finalmente
Mais espaço, outra linha

Novo capítulo

─ ...


Respira fundo antes...

Buenos Aires: Facultad de Filosofía y Letras

  Fazia parte dos planos de passeios por Buenos Aires visitarmos uma universidade, mais especificamente, um curso de Letras. Isso porque sem...