Esse texto não é dos mais antigos. Escrito
no ano 2000, surgiu como uma tentativa de crônica e narrava um medo que eu
vinha tendo de ficar doente. A personagem não tinha nome e também não era
feminina ─ isso é coisa da reescrita que fiz agora. Acho que personagens com
nome têm mais proximidade com o ficcional e a mudança de gênero parece facilitar o distanciamento do real, leva a ficção adiante e a diferencia da crônica.
Eram seis horas da
manhã quando ela encarou a si mesma no espelho do banheiro. Notou alguns fios
de cabelos brancos e disse baixinho, pronunciando seu nome completo:
─ Lizania Eduarda
Fontes, você está ficando velha...
Repetiu o nome
mentalmente lembrando de uma época da infância em que não gostava do nome
Lizania, nem de Eduarda e era indiferente ao nome Fontes, herança deixada pelo
pai.
Logo depois, sentiu
doer o dente. Não é bem certo que doeu, na véspera ela quebrara um caroço de
azeitona ao comer um pastel e ficou toda preocupada. Foi ao dentista.
Fazia um bom tempo que
não ia ao dentista e talvez houvesse bastante cáries ─ coisa que justificaria o
hálito estranho que havia percebido há algum tempo.
Não havia cáries. Fora
feita apenas a limpeza e a aplicação de flúor. O mau hálito deve ter sido
impressão ou talvez o estômago, algo em resposta à má alimentação e ao excesso
de café.
Reparou que o
intestino não funciona regularmente e, para piorar, a cor da urina não lhe
parece normal. Considerou que, se continuar como está, logo terá úlceras no
estômago e grandes pedras nos rins.
Foi ao médico certa de
estar sendo acometida pela degeneração própria da idade. Mas não havia úlceras
nem pedras... como pode ter tanta saúde se sente tanto cansaço com as atividades
corriqueiras do dia a dia?
Tem certeza de que o
convívio com fumantes lhe deve ter rendido um enfisema pulmonar ou qualquer
outro dano causado pelo hábito tabagista alheio.
É uma fumante passiva
e pode estar na iminência de um infarto cardíaco! A dor de cabeça, que sente
esporadicamente, deve ser consequência de má circulação sanguínea no cérebro.
Afastou-se de amigas e
amigos fumantes e procurou um cardiologista. O coração está lindo, disse o
médico, mas a dor de cabeça é certamente um tumor, pensou consigo. Um tumor?
A dor não é aguda, contudo,
vem notando que também não é esporádica. Tem-na percebido quase todos os dias.
Voltou ao consultório perguntando a si mesma se os exames ou o próprio médico
são confiáveis.
Um médico tão
atencioso e seguro terá realmente tanta competência quanto aparenta? Ficou
gripada e teve febre, por esse motivo faltou do trabalho por alguns dias.
O sol brilhou com a
mesma intensidade o mês inteiro, pensava. Nada há que justifique uma gripe.
Talvez estivesse confundindo os sintomas com os da dengue... Foi ao posto de
saúde mais próximo.
Onde pode ter
contraído a doença? Não era dengue, apenas gripe. No entanto, tem certeza de
que há mais do que gripe. Possivelmente algum mal ainda não conhecido.
Sarou antes de
procurar o médico, mas sabe que sobraram sequelas que estarão com ela pelo
resto de sua vida. Ou talvez esteja exagerando; talvez esteja ficando louca...
Qual a diferença entre
psicologia e psiquiatria? Não soube nem procurou saber, voltou à rotina que
tinha antes da dor de dente ─ casa-trabalho, trabalho-casa ─, e reabilitou os
amigos fumantes.
Dois meses depois foi
atropelada por um ônibus escolar no fim da tarde. Houve alvoroço na esquina. Crianças
gritando, trânsito congestionado.
Ela foi acordar em uma
cama de hospital e não deixou que médicos a examinassem para procurar fraturas.
Levantou-se e foi embora aborrecida.
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