sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Série “Leiam direito a Bíblia” ou “Ateu ensina cristão” 1



Ao longo de toda minha vida, ouvi bobagens ditas por evangélicos. Como agora os evangélicos estão poder, entendo ser necessário alertar ao menos os bem-intencionados — aqueles que querem um país melhor e que só votaram no Bolsonaro porque acreditaram e ainda acreditam em mudança —, de que foram vários os períodos históricos em que a Bíblia foi usada para manipulação política.

Pretendo postar algumas análises sérias de passagens bíblicas do Novo Testamento. “Séria”, no caso, significa uma análise apoiada no texto da Bíblia, não nos interesses desse ou daquele grupo político. Contudo, essa não é uma análise neutra — citando Bagno (2012, p. 14) “não existe produto humano que não se configure, consciente ou inconscientemente, como uma tomada de posição política inspirada por uma ou mais ideologias; o mito da ciência ‘neutra’ não tem mais lugar na era em que vivemos”. 

Muitas das atrocidades combatidas por Jesus e relatadas pela Bíblia não são exclusivas do Mundo Antigo, pois continuam existindo hoje. A lei que autoriza o apedrejamento de mulheres flagradas em adultério, por exemplo, ainda existe em algumas partes do mundo (histórias como essa podem ser encontradas nos relatos de Malala, a jovem paquistanesa que recebeu o prêmio Nobel da Paz por defender a alfabetização de mulheres. Ela narra sua atividade política no livro “Eu sou Malala”). 

A Bíblia relata a interferência de Jesus na condenação de uma mulher em João 8.1-11. Nessa passagem, “escribas e fariseus” procuravam uma justificativa para condenar Jesus; portanto, se ele impedisse o apedrejamento, condenaria a si próprio como um transgressor da lei de Moisés (Deuteronômio 22.22 — “Se um homem for achado deitado com uma mulher que tem marido, então, ambos morrerão, o homem que se deitou com a mulher e a mulher; assim eliminarás o mal de Israel”). A estratégia de Jesus foi fazer com que os acusadores, que também seriam os carrascos, agissem de acordo com a própria consciência (João 8.7 — “[...] Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra”). 

Esse episódio é comumente citado para exemplificar a compaixão de Jesus, mas é preciso entender também a transgressão: Jesus não admite leis sem sentido ou punições desproporcionais. Diante de situações como essa (os evangelhos relatam algumas, que discutirei em outras análises), Jesus transgride, muda a lei e deixa a seus seguidores um exemplo de que é preciso agir com sensibilidade, especialmente quando estamos em posição privilegiada de autoridade.

Por causa de transgressões como essa, Jesus foi preso, julgado e condenado à morte por cruz. Como observa Aquati (2008, p. 72, em nota) esse era “o mais cruel e ultrajante meio de aplicação da pena de morte entre os romanos e estava normalmente reservada aos escravos. As faltas que implicavam tal condenação eram em geral a pirataria, o assassinato, o banditismo e a incitação à revolta”.


Referência 

AQUATI, Cláudio. Tradução e posfácio. In: PETRÔNIO. Satíricon. ______. São Paulo: Cosac Naify, 2008. 

BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.

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