Não me lembro quando escrevi esse conto, sei que faz muito tempo. A intenção era responder a um tipo de pergunta típica de criança que normalmente não tem resposta ou não tem resposta fácil: “por que o peixe respira embaixo d’água?”, “por que a caneta escreve”, “por que o céu é azul?” Na verdade, não sei se cheguei a escrever esse conto, talvez só o tenha pensado — um dia, coloquei-o no papel em inglês e acabei por perdê-lo num desses acidentes que acontecem quando movemos um arquivo de uma pasta para outra: apaguei a pasta com o texto junto!
Ano passado reescrevi esse mesmo conto em francês, com a ajuda de minha amiga Patricia Thibaut, tanto para praticar o idioma quanto para postá-lo em meu outro blog, o BBMK — deixo o link para quem quiser conhecer essa versão francesa: Le ciel bleu —, e agora faço aqui uma “tradução”.
Ter um narrador que conta histórias para a namorada pareceu-me interessante, assim como ter uma heroína ao invés de um herói — entre outras coisas, em francês o gênero feminino exige concordâncias que não aprecem em uma escrita neutra ou masculina. Curioso isso, o gênero masculino não particulariza como o feminino! Não fiz adaptações como “anja”, o resultado é “a Cecília, um anjo”.
Uma vez eu tive uma namorada que me pedia, frequentemente, para contar histórias infantis. Portanto, vou contar uma dessas histórias que têm como tema a criação do mundo e que têm como objetivo responder à seguinte questão: “por que o céu é azul?” — muito simples, não?
É a história de um anjo d’entre os mais criativos do céu, numa época em que o céu era negro, mesmo durante o dia, e os animais falavam. Não é importante dizer que os animais falavam, porque eles não fazem parte dessa história, mas é preciso saber que, naquela época, eles falavam.
Quando disse a ela que o anjo da história é uma menina, ela não gostou e explicou-me que, não apenas os anjos são assexuados, como também é vulgar ou até mesmo um fetiche dar a um anjo o sexo feminino. Constrangido, chamei o anjo Cecília e terminei a discussão.
Então, a Cecília olhava um céu gigantesco e queria fazer uma grande pintura. Por esse motivo, ela pediu a Deus permissão e, como Deus gostou da ideia, Ele disse a ela:
— É preciso antes fazer eleições para saber de que cor deve-se pintar o céu...
— Ah, não... pensou o anjo. Ela queria fazer livremente uma obra artística, não o trabalho de um operário. Então, muito contrariada, pediu a Deus:
— Será que posso reunir anjos para esse trabalho de eleição?
— Claro, Deus respondeu.
O trabalho foi imenso. Milhões de anjos fizeram a eleição entre homens, mulheres e animais para saber de que cor o céu deveria ser pintado. Os anjos não ficaram muito contentes com essa amiga que os fazia trabalhar assim; mas, depois de alguns dias, o trabalho finalmente foi concluído e a cor que ganhou foi o vermelho.
— Xiii, pensou Cecília quando soube o resultado. Ela não queria pintar o céu de uma cor, menos ainda em vermelho! Assim, ela argumentou com Deus:
— Meu Senhor e meu Deus, o vermelho é a cor da oposição...
Foi inútil, Deus disse-lhe que seriam os eleitores que iriam viver sob o céu; então, era preciso respeitar o resultado das eleições. O céu seria pintado de vermelho e pronto. Ainda uma vez, o anjo pediu a Deus:
— Será que eu posso reunir os anjos para que eles me ajudem a pintar o céu?
— Claro, Deus respondeu.
O trabalho foi imenso e os anjos reunidos para fazê-lo não gostaram dessa história. De todo modo, milhões de anjos trabalharam bastante. Muito contrariados, eles começaram de manhã e, ao fim do dia, foram embora e não voltaram mais. Pintaram o céu do dia de vermelho e o céu da noite continuou negro, cheio de estrelas prateadas.
Deus ponderou a respeito da mudança por alguns instantes e Ele viu que era bom. Assim, os eleitores viveram durante séculos sob um céu vermelho e, durante séculos, Cecília ficou atormentada. Ela queria pintar o céu como um grande quadro, não como um muro. Enfim, ela teve uma ideia: “devemos fazer uma eleição com as crianças!”
O anjo preparou um enorme questionário com várias alternativas de desenhos. Depois, ela seguiu junto de Deus até uma criancinha que gostava de pintar à guache, e disse:
— Olha, não se perguntou a opinião das crianças.
Diante de Deus, a criança riu e disse:
— Azuuuul!
— Porca miséria, pensou o anjo, e acrescentou: meu Senhor e meu Deus, é preciso eleições, é preciso olhar meu questionário para escolher!
— Não é necessário, disse Deus, que se pinte o céu de azul!
Mai uma vez, Cecília pediu a Deus:
— Será que eu posso reunir anjos para que me ajudem a pintar o céu?
— Certamente, Deus respondeu.
Os anjos não gostaram de jeito nenhum dessa história. Alguns nem quiseram começar o trabalho antes das nove horas da manhã e outros não quiseram trabalhar depois das cinco horas da tarde. O resultado foi que o céu da manhã e do fim do dia ficaram em vermelho e o céu da noite, sempre negro com as estrelas prateadas.
Deus viu que o céu estava bonito, mas viu também que Cecília estava triste. Então, Ele propôs a ela:
— Tenho um outro trabalho para você.
— Só me faltava essa, pensou o anjo. E ela ergueu os olhos a Deus esperando.
— Você vai fazer esculturas!
— Esculturas?
— Você vai esculpir as nuvens!
Não era exatamente o que o anjo queria, mas ela gostou do trabalho e outros anjos juntaram-se a ela espontaneamente para fazer esculturas e nunca mais pararam.
Quanto a mim e a minha namorada, ela achou a história engraçada e pediu-me outras. Eu contei-lhe algumas que agora não me lembro e nem sei se serei capaz de contá-las, porque faz muito tempo. Um dia, talvez...
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