domingo, 17 de março de 2019

Porque falar de Marielle Franco















Marielle Franco morreu no dia 14 de março de 2018 e, como tenho visto Internet afora, muita gente acha que o assunto está enchendo o saco. 

O problema é que estamos vivendo numa sociedade extremamente violenta. No pé em que as coisas estão, qualquer cara fechada ou palavra mais áspera parece que vai resultar em pancadaria. Os atritos acontecem no trânsito, nas filas de banco ou de supermercado, nos ônibus e, também, entre amigos. 

Por um acaso, sou alto e forte. Sempre fui. Quando criança eu não sofria bullying porque eu era o que batia. Acredito que não o praticava, mas meu pai dizia que “quem bate esquece, quem apanha é que lembra”; então, eu talvez me tenha esquecido! De todo modo, quando cheguei à adolescência brigar virou motivo de vergonha e, por isso, nunca mais briguei. 

Além de ser alto e forte, sou homem! De vez em quando, numa discussão com uma namorada, por exemplo, mudo meu tom de voz. Quando isso acontece, qualquer que seja o motivo da discussão, ela cede para evitar ser agredida. Entre o primeiro beijo de namorada, lá aos meus quinze anos, até o entendimento de que, num relacionamento homem-mulher, as mulheres têm em perspectiva uma agressão, passaram-se mais de vinte anos. Venho aprendendo a conter meu tom de voz, mas é difícil, porque, além de tudo, sou exaltado! 

Não são somente as mulheres que têm medo. Todos nós sabemos que uma explosão de fúria pode nos atingir a qualquer momento. Aguardamos que aconteça na esquina ou dentro de casa... não foi hoje, mas podia ser. Afinal, tudo à nossa volta é violento: nossas músicas falam de violência, nossos filmes e os que importamos retratam a violência, nosso vocabulário é violento. 

Uma vez, ensaiávamos uma mudança. O famigerado politicamente correto tinha por objetivo um abrandamento de muitas das formas de agressividade. As políticas inclusivas tinham por fim o acolhimento de quem traz consigo alguma fragilidade a mais. Esse início de mudança estava relacionado à civilidade e pretendia criar uma sociedade mais acolhedora na qual seus cidadãos seriam capazes de mais delicadeza uns com os outros. 

Astutamente, por parte dos que têm condição de agredir, esses princípios de sociabilidade foram difamados. Passaram a ser entendidos como uma inversão de valores e o não enfrentamento voltou a ser visto como covardia. Esses difamadores não conseguem defender ideias, para eles a força bruta sempre será vantagem. A Marielle Franco foi uma das vítimas deles. 

No dia em que defendi meu trabalho de mestrado rememorava-se um ano do assassinato de Marielle Franco. Ela era seis anos mais nova que eu e também defendeu um mestrado. Talvez por causa da coincidência, fui procurar a dissertação dela. Está na Internet; foi defendida pela Universidade Federal Fluminense. Trata-se de um bonito trabalho sobre segurança pública “UPP — A redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro”. 

Vê-se que, como cidadã, Marielle estudou o problema que pretendia enfrentar e elegeu-se vereadora para acabar justamente com o tipo de crime que a vitimou. Também se vê que ela trabalhou com muito mais seriedade e competência que seus adversários. Não por acaso, essa morte faz com que me lembre da Apologia de Sócrates, quando, dirigindo-se aos atenienses, ele diz não achar possível um homem melhor ser ferido por um outro pior. Ele sabia que permaneceria na história e que seu agressor seria esquecido. 

A violência contra a qual Marielle Franco lutava ainda está longe de acabar. Por isso, enquanto moradores de favelas no Rio de Janeiro forem vítimas de violência, Marielle será presente; enquanto mulheres e, especialmente, mulheres negras forem agredidas, Marielle será presente; enquanto a estupidez tomar o lugar do diálogo, Marielle será presente. 

Ainda temos muito o que falar sobre Marielle.

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